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Claudio Daniel: Seis poemas de Ewaldo Schleder

Ewaldo Schleder Filho, curitibano que vive hoje em Florianópolis (SC), é um poeta singular, que transita entre o lirismo amoroso e a denúncia social, a melodia da balada e a aspereza rítmica, construindo uma poética consistente e original, próxima a um certo minimalismo construtivista. Quase a totalidade de seus escritos encontra-se em jornais e revistas – nacionais e algumas internacionais.

Por Claudio Daniel*

Ewaldo Schleder Filho

Integrou a coletânea Dez Poetas do Sul e co-editou o livro Mercosul no Divã. Foi premiado pela Fundação Cultural de Curitiba, curadoria de Décio Pignatari, pelo clipoema Ezra Pound. O Prosa, Poesia e Arte apresenta aqui seis poemas desse bardo inquieto, que também participa do Laboratório de Criação Poética.

VIGÍLIA

As paredes do cárcere
ouvem só a sua voz.
E seus ouvidos,
só as saudações:
bom dia, presidente,
boa tarde, presidente,
boa noite, presidente.

Ao longe, gritos da cidade,
brados dos desalmados
estrangulam a noite.
O silêncio dos famintos
a querer pão e trabalho
desafinam a trilha do dia.

A feira está às moscas,
as mãos, vazias
A fábrica, lacrada e sombria
Surda é a voz do mercado
E crônica a fome, a sede, o medo.

* * *

MORREU UM PRETO

oitenta cartuchos
oitenta tubos ocos
oitenta queimas de pólvora
oitenta projéteis
– balas de chumbo
oitenta carregamentos
oitenta disparos
oitenta espoletas
oitenta balaços

que fosse um só tiro
fossem oito ou oitocentos
mas foram oitenta
para matar oitenta pessoas
e matou uma e matou tantas
o morto era a vítima
do sorteio de balas
alvo por acaso
mas era preto

* * *

PÁTRIA ARMADA

Brasileiro senta a pua
não deixa baixar o pavio
apanha em casa e na rua
todas as flores de abril

Do mágico olho da grua
à carne de Chernobyl
fome: verdade crua
a bordo do mesmo navio

Cabrália: uma índia nada nua
verde amarelo branco anil
tucanos gralhas cacatuas
festa pátria mãe gentil

Com tanta gente que amua
quartos de milha, quartos de mil
antes o mundo da lua
do que a órbita desse Brasil.

* * *

TÂNATOS

I’
o coração dos mortos
pulsa no escuro

e o dos vivos
se apaga na luz

os vivos visitam os mortos
e acendem velas na cruz

I”

o
coração
dos
mortos
mais
não
bate
e o dos vivos aperta
os
vivos
visitam
os
mortos
porque
morte
é
coisa
certa

* * *

desejar viver
intensamente

sentir a pressão
bombar no pulso

veias a fluir
éter da vida

desejar viver
ardentemente

queimar a ponte
já sem rio

uma nova estrada
do chão ao céu

viver essa viagem
desejar viver

* * *

Minha musa
química
Minha meta
Física
Meu fuso
Hora a mais
Hora a menos
Ora bolas
Uma volta
Sem ida
Parafuso
Fuso que falta
Na hora
Confusa
Da partida

* Claudio Daniel, poeta, tradutor e ensaísta, é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutor em Teoria Literária pela UFMG. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte.