Senador diz que presidente paraguaio será julgado por traição

“O governo de Mario Abdo Benítez será julgado por traição à Pátria, pois claramente entregou a soberania hidrelétrica de Itaipu a uma empresa ligada a Bolsonaro”, afirmou o senador Carlos Filizzola, presidente da Frente Guazú, a principal força oposicionista do Paraguai.

Por Leonardo Wexel Severo, de Assunção

Carlos Filizzola Paraguai - Foto: Leonardo Wexel Severo

Em entrevista exclusiva, Filizzola destacou que, ao lado dos movimentos sociais, a Frente estará mobilizando o país e ampliando a pressão, pois “o que está em jogo é a derrota de um governo entreguista, que abriu mão da soberania a um grupo privado. É uma causa nacional”

Senador Carlos Filizzola, qual foi sua primeira reação quando soube desta ata secreta firmada por representantes paraguaios com membros do governo Bolsonaro para extorquir o país em mais de US$ 200 milhões?

A reação que todos tivemos, não só eu, mas grande parte da cidadania paraguaia, quando fomos informados da ata secreta que havia sido assinada no dia 24 de maio, mais de dois meses antes, foi de surpresa e indignação. Porque o que revelava esta ata secreta assinada entre os governos de Mario Abdo Benítez e de Bolsonaro era uma traição clara à Pátria, uma entrega da nossa soberania. Ali está expresso explicitamente que o Paraguai cedia os seus próprios direitos, cedia muito dinheiro que lhe correspondia à energia da hidrelétrica de Itaipu a uma empresa brasileira.

Agora está vindo à luz, paulatinamente, o que se escondeu dos nossos povos o que vinha sendo acordado para o enriquecimento ilícito de alguns.

Pouco a pouco foi se conhecendo o teor do documento, que era ainda pior do que havia sido informado inicialmente, e a indignação só aumentou. O fato é que se ocultou, se mentiu. Abdo Benítez vem ao Congresso todos os anos, no mês de julho, para dar o informe da sua gestão como presidente e não mencionou absolutamente nada sobre esta ata secreta. Nada. Deixou claro com isso é que ocultou, que mentiu descaradamente sobre um tema prioritário. Chegou a falar de Itaipu, mas não disse absolutamente nada sobre a ata. Repito: veio ao parlamento dar seu informe oficial anual e não pronunciou uma vírgula da ata. O documento acabou vindo a público não porque o governo tenha informado, mas por ter havido um conflito dentro da Administração Nacional de Eletricidade do Paraguai, a ANDE, e o presidente da estatal, Pedro Ferreira não quis coonestar aqueles termos e renuncia, sai da instituição. Se não tivesse ocorrido esse choque hoje talvez não tivéssemos qualquer conhecimento desta ata.

Querem assaltar o povo paraguaio para repassar os recursos a uma empresa privada ligada ao grupo de Bolsonaro…

É uma capitulação que viola a nossa soberania, entrega a nossa soberania hidroelétrica de Itaipu a uma empresa ligada a Bolsonaro. Inclusive se eliminava o hoje famoso ponto seis do tratado de Itaipu para impedir a ANDE de comercializar a energia excedente ao mercado brasileiro, dando exclusividade à Léros, vinculada a Bolsonaro. Isso é algo muito grave. Há uma questão de corrupção claríssima, evidente. Sem dúvida, havia desde o começo um acordo entre o presidente Mario Abdo e o vice-presidente, Velázquez. Os dois agiram juntos. Inicialmente Mario Abdo quis desconversar, disse que não tinha nada a ver. Inclusive mudou vários ministros do gabinete, seu chanceler e outros, o próprio embaixador do Paraguai no Brasil, que assinou a ata. Mas o fato é que não havia como o presidente não estar informado sobre um tema tão importante. Todos estes funcionários estavam subordinados a ele.

Daí a importância da instalação nesta semana da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Comissão Bicameral.

Quando soubemos da ata secreta, do seu conteúdo, do que ocorreu, formamos uma Comissão Bicameral de Investigação (CBI). Aqui no Senado, com a Frente Guazú e, felizmente, com o apoio de lideranças de outras bancadas, conformamos nesta última segunda-feira a CBI, que já começa a atuar. Integrada por três senadores e três deputados, a Frente Guazú possui um membro nesta comissão. Vamos apoiar esta CBI e acompanhar de perto, de forma a não permitir que ninguém saia impune. Como parlamento, vamos potencializar a fiscalização e convocar pessoas relacionadas a esta ata. A Promotoria também foi mobilizada e está investigando, mas nela não temos a mínima confiança, devido à sua falta de independência e objetividade. Como jornalista, já estivesses por aqui como Observador Internacional no caso Curuguaty e sabes que o poder judiciário, no Paraguai, está submetido ao poder político, particularmente ao Partido Colorado, no poder durante tantos anos. Só não esteve comandando no período em que Fernando Lugo esteve no governo, durante quatro anos, até que lhe tiraram com um golpe de Estado. Todo tempo o Partido Colorado manipula a promotoria, os juizados… Mas vamos pressionar, vamos mobilizar o país para que haja uma efetiva e profunda investigação, a fim de que cheguemos o mais proximamente à realidade dos fatos e não haja impunidade.

O jornal ABC Color trouxe à luz um documento que a Comercializadora Léros, do empresário Alexandre Giordano, suplente de senador do PSL de São Paulo, estava propondo pagar a energia de Itaipu ao Paraguai por baixo do preço de custo. Como explicar tamanha desfaçatez?

Exato, é completamente vergonhoso. Isso está publicado: a Léros queria efetivamente pagar por baixo do preço de custo a energia de Itaipu. Nosso entendimento é que houve pressão de Bolsonaro, que manipula o presidente paraguaio. Vamos ser claros, Mario Abdo Benítez demonstra ser totalmente dependente de Bolsonaro. Inclusive veio à luz que tinham relações íntimas, familiares, entre seus filhos, relações muito estreitas. Inclusive quando Bolsonaro ameaçou que o Brasil iria pagar menos do que pagava ao Paraguai, retrocedendo o acordo Lugo-Lula realizado em 2009, que triplicou o pagamento da nossa energia excedente, Mario Abdo silenciou, nunca falou nada. Evidentemente há uma dependência e um acordo entre ambos e é grave o que ocorreu. As pessoas estão muito revoltadas e por isso a defesa do julgamento político, do impeachment. O presidente e o vice-presidente não podem mais seguir à frente do cargo.

Como está a campanha pelo impeachment?

Um governo que abre mão da soberania do país é um governo entreguista, por isso o que está em jogo é uma causa nacional. E isso vem energizando as manifestações e protestos, estimulando estudantes, agricultores e trabalhadores a irem às ruas. Independente de qual seja o resultado da votação do julgamento político nesta semana no Congresso, vamos seguir adiante. Os colorados se uniram e o grupo de liderado pelo ex-presidente Horacio Cartes (denunciado por lavagem de dinheiro, contrabando de cigarros e vínculo com o narcotráfico) chega para dar um manto de impunidade e bloquear o impeachment. Mas, independente do resultado da votação no parlamento, vamos seguir mobilizando e pressionando pela renúncia. Até porque, segundo apontam as pesquisas feitas pelos próprios meios de comunicação, Abdo Benítez alcança 70%, 80% de repúdio, uma imagem péssima, débil, de alguém que não pode mais seguir governando. Como deixar um tema de tamanha relevância como Itaipu, cujo tratado precisa ser renegociado oficialmente em 2023, nas mãos de um presidente entreguista? Mas não é só isso. A economia paraguaia está mal, a saúde pública está mal, temos um governo débil em que as pessoas não depositam a mínima confiança. Não tem como seguir. Para isso vamos ampliar a pressão, fazer crescer as mobilizações até derrotar o pacto de impunidade Abdo Benítez e Cartes.

A negociata com a Léros e o prejuízo à Itaipu também estampa o que poderia vir a ocorrer com a privatização da Eletrobrás e da ANDE.

É fundamental este trabalho conjunto em defesa de um patrimônio público comum que é Itaipu, esta unidade de ação entre os movimentos sociais e partidos progressistas brasileiros e paraguaios. Da mesma forma que no Brasil crescem as mobilizações contra Bolsonaro, a Frente Guazú está ao lado da grande maioria dos paraguaios até a derrota de Abdo Benítez e a vitória de um governo nacionalista, que defenda o que é nosso, que dignifique o nosso povo.