Lei de abuso de autoridade se chama Cancellier, vítima da Lava Jato

A líder da Minoria na Câmara dos Deputados, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), prestou homenagem ao reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que cometeu suicídio 18 dias após ser preso sem provas pela Operação Lava Jato. A lei oriunda do projeto que definiu os crimes de abuso de autoridade cometidos por agente público, aprovado nesta quarta-feira (14), tem o nome do reitor.

Luis Carlos Cancellier de Olivo - Assembleia Legislativa de Santa Catarina

Feghali diz que Cancellier é uma das vítimas emblemáticas do abuso. “Quero lembrar de uma consequência: o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Isso é consequência de um abuso grave de autoridade”, afirmou Jandira.

O reitor se matou após ser preso de forma arbitraria por corrupção na Universidade Federal de Santa Catarina. O pedido foi feito pela ex-chefe da Lava Jato Erika Marena, por considerar que o acusado obstruía as investigações do caso.

A prisão foi determinada pela juíza Janaína Cassol Machado, que saiu de licença um dia após a decisão. No dia seguinte, a juíza substituta Marjôrie Cristina Freiberger decidiu soltá-lo imediatamente por falta de provas.

Para a líder da Minoria o combate ao abuso é um instrumento da democracia. “Ninguém pode cometer abuso investido de cargo público pago pelo povo, pelo dinheiro público. É disso que se trata. E há consequências graves de abuso”, lembrou.

O líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), também prestou homenagem ao reitor na aprovação da matéria. “Proponho que a lei de abuso de autoridade que acabamos de aprovar se chame simbolicamente "Lei Cancellier" em homenagem ao reitor da UFSC que se suicidou após sofrer gravíssimos abusos por parte de uma turma que foi da #LavaJato”, escreveu no Twitter.

O autor do projeto, ex-senador Roberto Requião, diz que o projeto que criminaliza o abuso de poder não impede o combate à corrupção. “Criminaliza os abusos de agentes públicos que utilizam seus cargos para objetivos pessoais, partidários, que nada tem a ver com a lei e com direito. Desagrada a canalhas e somente aos canalhas”, afirmou.

Ele também aprovou a homenagem feita ao reitor. E mandou um questionamento para a delegada: “A Lei Cancellier, aprovada há pouco na Câmara, proíbe a condução coercitiva sem que antes haja intimação para comparecimento ao juiz. Este item evitaria a morte do reitor Cancellier. E agora Erika Marena, quem nos devolverá o Cau?”, indagou.

Bancada da bala

O projeto só teve oposição dos parlamentares ligados a chamada bancada da bala e aos partidos como PSL, Novo e Cidadania. Alguns deles defendem, inclusive, que o presidente deverá vetar alguns pontos do texto aprovado.

Para o deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) é incompreensível a oposição à matéria. “Não compreendo como algumas pessoas conseguem ficar contra um projeto que tem essa natureza. Só serão alcançadas pelo conteúdo do projeto aquelas autoridades que cometerem abuso, e isso não poderia ser diferente. Todos aqueles que transgredirem as disposições legais devem enfrentar o que estabelece esse projeto. O texto, na verdade, chega com atraso. O Congresso Nacional deveria tê-lo aprovado antes. Mas, como diz a sabedoria popular, antes tarde do que nunca”, disse.

O argumento foi reiterado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). “Só pode temer essa regra quem comete abuso. E quem comete abuso é uma parcela ínfima de autoridades públicas. É muito importante que lei valha para todos. Todo mundo deve se submeter à mesma regra, e a ninguém deve ser permitido cometer qualquer abuso que seja”, afirmou.

O que vai configurar crime de abuso de autoridade

– Obter prova em procedimento de investigação por meio ilícito (pena de um a quatro anos de detenção);

– Pedir a instauração de investigação contra pessoa mesmo sem indícios de prática de crime (pena de seis meses a dois anos de detenção);

– Divulgar gravação sem relação com as provas que se pretende produzir em investigação, expondo a intimidade dos investigados (pena de um a quatro anos de detenção);

– Estender a investigação de forma injustificada (pena de seis meses a dois anos de detenção);

– Negar acesso ao investigado ou a seu advogado a inquérito ou outros procedimentos de investigação penal (pena de seis meses a dois anos);

– Decretar medida de privação da liberdade de forma expressamente contrária às situações previstas em lei (pena de um a quatro anos de detenção);

– Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado de forma manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo (pena de um a quatro anos de detenção);

– Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária (pena de um a quatro anos de detenção);

– Constranger preso com violência, grave ameaça ou redução da capacidade de resistência (pena de um a quatro anos de detenção);

– Deixar, sem justificativa, de comunicar a prisão em flagrante à Justiça no prazo legal (pena de seis meses a dois anos de detenção);

– Submeter preso ao uso de algemas quando estiver claro que não há resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do preso (pena de seis meses a dois anos de detenção);

– Manter homens e mulheres presas na mesma cela (pena de um a quatro anos de detenção);

– Invadir ou entrar clandestinamente em imóvel sem determinação judicial (pena de um a quatro anos de detenção);

– Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia muito maior do que o valor estimado para a quitação da dívida (pena de um a quatro anos de detenção);

– Demora "demasiada e injustificada" no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de atrasar o andamento ou retardar o julgamento (pena de seis meses a 2 anos de detenção);

– Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação (pena de seis meses a 2 anos de detenção).

Ação penal

Os crimes de abuso de autoridade são de ação penal pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público é o responsável por entrar com a ação na Justiça, sem depender da iniciativa da vítima. Se não for proposta a ação pelo MP no prazo legal, a vítima poderá propor uma queixa.

Divergência de interpretação

O texto diz que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas "não configura, por si só, abuso de autoridade".

Efeitos da condenação

Uma vez condenado, o infrator:

– será obrigado a indenizar a vítima pelo dano causado pelo crime;

– estará sujeito à inabilitação para o exercício do cargo, mandato ou função pública por um a cinco anos;

– estará sujeito à perda do cargo, mandato ou função pública.

Penas restritivas de direitos

O condenado pelo crime de abuso de autoridade também pode ser condenado a penas restritivas de direitos, como:

– prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas;

suspensão do exercício do cargo, função ou mandato pelo prazo de um a seis meses, com perdas dos vencimentos e das vantagens;

– proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no município onde foi praticado o crime e onde mora ou trabalha a vítima, pelo prazo de um a três anos.

Leis para julgamento dos crimes

O Código de Processo Penal e a lei que trata do processo nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais serão usadas para o processo penal dos crimes de abuso de autoridade.

Mudanças na prisão temporária

Determina que o prazo (atualmente em 10 dias) deve constar do mandado de prisão, que também deve conter o dia em que o preso será libertado. E estabelece que, terminado o período, a Justiça deve colocar o preso em liberdade imediatamente, exceto se houver prorrogação da prisão temporária ou decretação da prisão preventiva.

Crime para interceptação telefônica

Torna crime a realização de interceptação telefônica ou de dados, escuta ambiental ou quebra de segredo de Justiça, sem autorização judicial. A pena será de 2 a 4 anos de prisão.

Quem pode ser enquadrado?

De acordo com o texto, os seguintes agentes públicos poderão ser enquadrados no crime de abuso de autoridade:

– servidores públicos e militares;

– integrantes do Poder Legislativo (deputados e senadores, por exemplo, no nível federal);

– integrantes do Poder Executivo (presidente da República; governadores, prefeitos);

– integrantes do Poder Judiciário (juízes de primeira instância, desembargadores de tribunais, ministros de tribunais superiores);

– integrantes do Ministério Público (procuradores e promotores);

– integrantes de tribunais e conselhos de conta (ministros do TCU e integrantes de TCEs).