Ato na ABI reforça defesa da liberdade de expressão e democracia

O ato em solidariedade ao jornalista Glenn Greenwald na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na região central do Rio de Janeiro, na noite desta terça-feira (30), foi uma demonstração de força do campo progressista em defesa da democracia e não apenas em defesa do jornalismo e da liberdade de imprensa. Cerca de 3 mil pessoas se aglomeraram na sede da ABI – mil delas no auditório e 2 mil no saguão e do lado de fora.

Chico ABI - Divulgação

O trabalho de Greenwald, com os vazamentos dos diálogos entre o ministro e ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, foi exaltado por estar revelando como a elite brasileira opera contra o interesse dos trabalhadores e das minorias. No sábado, o presidente Jair Bolsonaro disse que Glenn “talvez pegue uma cana aqui no Brasil”, em um ataque não só ao jornalista, como também à liberdade de imprensa. E esse foi o combustível do ato. A Constituição do país assegura o sigilo da fonte, e não há crime na atuação de Glenn ao divulgar informação de interesse público.

No ato, também foi prestada solidariedade ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, atacado pelo presidente Bolsonaro. Felipe teve a memória de seu pai, Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desrespeitada por Bolsonaro, que afirmou que “se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto pra ele”. Fernando Santa Cruz é desaparecido político da ditadura civil-militar, desde 1974. Foi preso por agentes do DOI-Codi, no Rio de Janeiro, em fevereiro daquele ano.

O cantor e compositor Chico Buarque afirmou durante o ato que há uma enxurrada de barbaridades na Operação Lava Jato e que as revelações do Intercept são tão importantes, “porque fica explícito, para quem quiser ver, o quanto se tramou para eleger esse governo”. “Mostram o que se armou por debaixo dos panos pelos grandes lobbies de comunicação. E fizeram isso exaltando o então juiz Sérgio Moro como um herói que chegou a ser eleito o homem do ano, o homem que faz a diferença, mas nós vimos que tipo de diferença ele andou fazendo nas sombras”, disse ainda. Chico prestou solidariedade aos jornalistas e, em especial, a Greenwald pelas ameaças que vêm sofrendo do governo Bolsonaro.

Diversas entidades estiveram presentes. Entre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), representada pelo presidente da Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da seccional do Rio de Janeiro, Luís Guilherme Vieira, assim como por Claudio Carneiro, presidente da Comissão de Direito à Educação da OAB-RJ.

Também se fizeram presentes a “Comissão de Juristas pela Liberdade de Imprensa”; “Associação de Juízes pela Democracia”; a “Associação Brasileira de Juristas pela Democracia”; “A Comissão Arns de Direitos Humanos”; o “Clube de Engenharia”, a “Federação Nacional dos Jornalistas” , a Federação Única dos Petroleiros, e muitos parlamentares de diversos partidos políticos. Artistas como Chico Buarque, Wagner Moura, Renata Sorrah, Zélia Duncan, Maria Gadú, Júlia Lemmertz, Camila Pitanga e Marcelo D2 também compareceram ao evento.

Com a mesa devidamente organizada, o presidente da ABI fez um discurso de abertura, e em seguida passou a palavra aos colegas. A maioria das falas defendeu a integridade do jornalista, assim como o direito ao sigilo da fonte e ao livre exercício da profissão. Em uma das falas mais importantes da noite, Beth Costa, da Federação Nacional dos Jornalistas, relembrou que o Brasil ainda é um dos países mais perigosos no mundo para jornalistas.

Sem zona de conforto

A cantora Teresa Cristina disse que “o que está acontecendo no país é muito pesado e o astral está lá embaixo”. Mas lembrou que há muitas pessoas insatisfeitas e não dá para ficar em casa. “A zona de conforto acabou. O que está acontecendo no Brasil é para a gente estar na rua. Não dá para ser mulher, preto, morador de comunidade e achar que está tudo normal.”

O representante da OAB, Pierpaolo Cruz Bottini afirmou que o que o Glenn fez foi um ato de coragem. “Ele foi atacado pelo Estado, que na pessoa do presidente disse que ele é uma pessoa criminosa”. Bottini defendeu que o país deve deixar que a imprensa cumpra o seu papel e possa divulgar as informações. Alertou que o país está assistindo sim a uma escalada do autoritarismo. “O Glenn defende o estado de direito”, afirmou, “e a OAB tem a postura de subir em todas as tribunas para defender o estado de direito”.

A representante da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) Beth Costa disse que não vai haver democracia no Brasil “enquanto não houver democracia na comunicação”. Ela destacou também que Glenn escreveu seu nome na história do país e que o ato na ABI representa também o momento histórico na luta em defesa do estado de direito.

Representando o comitê de juristas pela liberdade de expressão, a juíza Kenarik Boujikian Felippe disse que o espírito do comitê é reunir pessoas que defendem o estado democrático de direito, a Constituição e a liberdade de expressão. “Por esta energia aqui posso confirmar com clareza no meu coração que somos vitoriosos; a liberdade de expressão é uma vitória”. Ela disse também que o país precisa de um novo tempo em que se respeite a Constituição.

O ator e diretor Wagner Moura defendeu que o momento é de solidariedade com Greenwald, mas que qualquer um neste momento que dignifique o que faz, como o jornalista, é importante. Ele defendeu solidariedade com todos os jornalistas de verdade, compromissados com o fato, com a justiça social. “O jornalismo é um pilar fundamental da democracia”, acrescentou, também prestando solidariedade aos indígenas e à memória das pessoas que foram vítimas da ditadura.
A noite desta terça-feira, 30, teve algo de especial para Glenn Greenwald, do portal The Intercept Brasil. Responsável por deflagrar a Vaza-Jato e alvo recorrente de críticas do Presidente da República, o jornalista foi homenageado em ato promovido pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Nos últimos dias, Jair Bolsonaro intensificou seus ataques à Glenn Greenwald, e chegou a dizer que ele cometeu um crime. Diante das ameaças ao trabalho do profissional, milhares de pessoas e organizações civis compareceram ao evento para prestar sua solidariedade ao jornalista.

Muitos que falaram, como o deputado Marcelo Freixo, fizeram questão de enaltecer o artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos e deveres do cidadão, e estabelece que "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional". O deputado psolista aproveitou a ocasião para cobrar do Ministro Sérgio Moro mais energia com relação ao caso envolvendo Flávio Bolsonaro e seu assessor Queiroz.

Já a deputada e líder da minoria na Câmara Jandira Feghali, uma das últimas falas da noite, ressaltou a importância do ato, e principalmente a atuação da ABI. Para deputada, a entidade volta a cumprir o seu papel democrático, principalmente por proteger jornalistas e a imprensa livre. Jandira, a exemplo de outros palestrantes, reafirmou que não iremos aceitar censuras, e que o escândalo envolvendo a operação lava-jato está apenas começando.