Estados Unidos: A greve dos profissionais de saúde em Ohio

Iniciada no último dia 6 de maio, a greve dos profissionais de saúde no Mercy Health St. Vincent Medical Center, em Toledo, Ohio (EUA), que prossegue, é significativa por várias razões.

Por José Carlos Ruy

Saude Estados Unidos

Toledo é, historicamente, um centro da luta dos trabalhadores nos EUA. Lá ocorreu, por exemplo, uma grande greve em 1934, cuja repressão sangrenta deixou dois mortos e 200 feridos. E está na origem da tradição de luta daquela cidade que se tornou um dos principais cenários da ação dos sindical no Meio Oeste e também a nível nacional nos EUA. Tradição que, nos últimos anos foi afetada pela ofensiva do governo e dos patrões. Em 2018 apenas 8.7% dos trabalhadores do setor privado eram sindicalizados – muito abaixo do pico de 23% em 2001.

Nesse sentido, embora relativamente pequena – envolvendo 2 mil enfermeiros, técnicos e pessoal de apoio – a greve no hospital Mercy revela a importância do trabalho sindical em defesa de melhores condições e cumprimento da jornada de trabalho, melhores salários e, sobretudo, de melhor atendimento aos pacientes.

O sistema de saúde nos EUA, com ênfase no serviço privado, tem sido grande fonte de lucros para as empresas, gerando uma crise que envolve pacientes e trabalhadores da área. Foi em reação a esta situação que, em 6 de maio, os profissionais do Mercy Health St. Vincent Medical Center iniciaram a Semana Nacional das Enfermeiras, e sua greve, depois de quase um ano de negociações com a empresa – que, até a sexta-feira (10), não havia dado nenhuma resposta às reivindicações apresentadas. E a greve continuava, contou a dirigente sindical (da UAW Local 2213) Sue Pratt, citada na reportagem “America Makes a Lot of Money off the Sick” ("A América ganha muito dinheiro com a doença"), de Simon Nyi – vice-presidente local dos Socialistas Democratas América – na revista eletrônica Jacobin. Ele entrevistou as sindicalistas e lideranças da greve Dawn Thakur-Lyon, enfermeira, e Jessica Crowder, paramédica.

Naquela cidade, 17% dos trabalhadores do setor privado atuam em serviços de educação e saúde, e isso torna o potencial impacto econômico e político da greve é ainda mais significativo.
O Mercy tornou-se uma das maiores redes hospitalares católicas dos EUA depois de sua fusão, em 2018, com o Bon Secours Health Systems, que tem receita operacional de 8 bilhões de dólares.

Um dos objetivos da greve no hospital Mercy é exposto nas faixas apresentadas nas manifestações: "Pacientes acima dos lucros".

Jessica Crowder explicou que estão em greve por alguns motivos. Um deles é o horário de trabalho excessivo, que causa prejuízo ao atendimento aos pacientes.

Dawn Thakur-Lyon, por sua vez, acusa os plantões obrigatórios de piorar, e muito, o atendimento. "O hospital está constantemente com poucos funcionários. Há muito 'congelamento' ocorrendo. Se você trabalha num turno de 12 horas, eles podem não ter pessoas suficientes, então você pode ser 'congelado" [mantido no hospital]. Eles só podem segurar você no trabalho por mais quatro horas – você só pode trabalhar dezesseis horas, e pode ter que voltar na manhã seguinte. Ficaria 'congelado' até as 11:30 da noite".

Jessica explica que "não há um intervalo de oito horas entre os turnos". Esta situação, diz ela, "afeta o atendimento ao paciente em geral. As enfermeiras estão sobrecarregadas. Estão cansadas. A equipe de flebotomia [que atua nas transfusões de sangue – NR] está sobrecarregada. Eles estão cansados. O serviço de limpeza está sobrecarregado, eles estão cansados. Estamos todos sobrecarregados, o que pode afetar o atendimento ao paciente de baixo para cima. Se você está trabalhando em cada um dos departamentos no hospital apenas com a equipe mínima possível, você vai afetar todo mundo, da enfermagem para a limpeza, o pessoal da nutrição, e então você vai ter muitos plantões, porque as pessoas estão cansadas e exaustas. Então é só uma grande bagunça", conclui.

A enfermeira Dawn explica que a greve visa o bom atendimento aos pacientes, "porque quando a equipe não está funcionando em um nível alto, erros são cometidos". Ela lembra que há "dez ou quinze anos atrás, para o mesmo número de leitos, costumávamos ter mais enfermeiras. Hoje, com o mesmo número de pacientes, temos cerca de novecentas, quando costumávamos ter mais de 1.200 enfermeiras para o mesmo número de pacientes". "Tudo está piorando", diz ela. "Até mesmo os suprimentos – você precisa fazer mais com menos". A empresa, denuncia ela, "realmente tenta maximizar o atendimento com recursos mínimos, incluindo pessoal, suprimentos, tudo…"

A enfermeira Dawn conta que houve insegurança e mesmo medo entre os trabalhadores antes da greve. "À medida que as coisas se aproximavam, as pessoas ficavam nervosas sem saber quanto tempo isso poderia durar – financeiramente preocupadas. Todos sentiram que, se vamos fazer isso, precisamos de uma boa resposta. Precisamos ter o maior número de pessoas possível para agir, ou isso não significará nada". Mas houve também muita solidariedade, as "pessoas se sentiram mobilizadas para realmente ir lá e mostrar seu apoio porque, novamente, isso também é para a segurança do paciente".

Jessica lembra que, há uns dois anos e meio ou três anos atrás, seu departamento esteve sob a fiscalização de uma empresa contratada pelo hospital para "analisar todo o nosso processo. Eles querem cortar empregos, querem cortar custos. Então, estamos sob estresse desde antes da greve".

Jessica e Dawn contam como o Mercy Hospital reprime os grevistas não poupando dinheiro para contratar fura-greves. Dawn denuncia o emprego de fura-greves profissionais. Diz ser "realmente um insulto que as pessoas que nos substituem, furando a greve ganhem de duas a três vezes o salário que temos. Eles viajam de greve para greve, e é assim que ganham a vida. Se isso é dinheiro para [o hospital], o que parece que é, estão pagando enormes quantias para essas pessoas". "Estão pagando uma tonelada de dinheiro para essas pessoas – apenas o que eles ganham por hora, sem incluir hotel, comida, estipêndios que nos disseram que estão oferecendo. O que estávamos pedindo não era tanto assim. É muito mais custoso para os patrões ter a greve, cancelar cirurgias e enviar bebês para outros hospitais. Então, para mim, isso não é apenas sobre o dinheiro. Isso é outra coisa". E denunciam a ação patronal contra o sindicato.

Para Jessica, "há mais do que o que está sendo dito. Tivemos uma pequena reunião em nosso departamento com apenas os funcionários e eu disse: 'Aposto que eles estão tentando levar o sindicato à falência'. Acho que esse é o principal objetivo deles".

No final da entrevista, em uma avaliação do sistema de saúde nos EUA, que é privado, Jessica diz a frase em que foi baseado o título original da entrevista publicada em Jacobin. "Os EUA ganham dinheiro com os doentes. A forma como os cuidados de saúde são geridos não é adequada. Nenhuma vida é melhor que outra. Só porque você tem dinheiro não significa que você possa se curar. Todos devemos ter o mesmo sistema de saúde, se ganhamos dez dólares por semana ou se ganhamos milhões".