Greve de caminhoneiros paralisa Portugal

Protesto de motoristas de matérias perigosas gerou corrida aos abastecimentos e deixou centenas de bombas sem gota de combustível. Serviços mínimos não resolvem, garante sindicato, que exige carreira diferenciada.

Do Diário de Notícias

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Filas intermináveis para abastecer, centenas de bombas sem uma gota de combustível, constrangimentos sérios nas operações dos aeroportos de Faro e Lisboa, alertas das transportadoras de todo o país. E ao fim da noite as notícias não melhoraram, ameaçando estragar o fim de semana de Páscoa a muitas famílias e o negócio a muitas empresas. A greve dos motoristas de matérias perigosas continua "por tempo indeterminado". Ou até que haja acordo para as mudanças de carreira que estes trabalhadores pedem "há 20 anos", esclareceu à saída da reunião de ontem à noite o representante do sindicato.

O encontro entre o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e o governo terminou apenas com um acordo de que haverá diálogo entre as partes. Quando e se será bem-sucedido, não se sabe. E se a estrutura sindical assegura que vai cumprir os serviços mínimos, também garante que isso será pouco mais do que um paliativo. "O estado crítico do país vai piorar!"

Depois de pouco mais de uma hora de conversa, o ministro do Planejamento, Pedro Nuno Santos, os responsáveis do sindicato e os membros da ANTRAM não tinham grande novidade a anunciar, à parte o esclarecimento, à saída, de que o encontro tinha por objetivo "assegurar os termos da requisição civil e que os serviços mínimos são cumpridos" numa greve que em dois dias deixou o país à beira do caos.

"Antecipo problemas sérios para o país"

"Há uma promessa da ANTRAM (associação das entidades patronais) para reunirmos e isso é importante, mas até que aconteça essa reunião e haja conclusões, a greve continuará", vincou o representante sindical, garantindo que os serviços mínimos serão cumpridos na medida da lei. "Mas os serviços mínimos não vão resolver o problema."

"Antecipo problemas sérios para o país e espero que, havendo consciência disso, a ANTRAM queira falar connosco e trabalhar nas mudanças de carreira que pedimos há 20 anos e nunca aconteceram."

O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, viera alertar ainda antes para a necessidade de tomar medidas extraordinárias dada a "situação de alerta" vivida pelo país até às 23.59 horas de 21 de abril, para garantir operações de abastecimento, avançando os ministros da Administração Interna e do Ambiente e da Transição Energética com a "declaração de reconhecimento de crise energética" para acautelar níveis mínimos nos postos.

Ao Dinheiro Vivo, Pedro Henriques, vice-presidente da estrutura sindical, assegurou que os serviços mínimos estão a "ser cumpridos com os hospitais e a proteção civil", defendendo que "o abastecimento de aviões não se enquadra nessa figura". Recordou ainda o responsável que a requisição do governo foi impugnada juridicamente, sublinhando que o seu cumprimento na totalidade "seria como se não houvesse greve".

Ainda assim, garante que os motoristas estão dispostos a assegurar serviços mínimos, a partir do momento em que as empresas façam o pedido do número de pessoas que precisam. E ainda "só uma enviou o pedido", afirmou o representante sindical. Do lado do governo, houve já uma decisão: pôr os militares de prevenção para o caso de terem de conduzir os camiões-cisterna.

Camiões para Lisboa

Com uma adesão de 100%, em nome de melhores salários e condições de trabalho, a paralisação dos motoristas de matérias perigosas levou já à contabilização, nas contas da plataforma VOST Portugal, criada para apoiar os consumidores nesta greve, de 321 postos sem gasóleo, 78 sem gasolina e 234 sem ambos, sendo a Galp a ter mais postos encerrados (173), seguida da Repsol (103), BP (84) e Prio (79).

Depois de um primeiro dia de paralisação sem efeitos aparentes, o governo avançou ontem de manhã com uma requisição civil para garantir o abastecimento a hospitais, aeroportos, bombeiros, portos e a 40% das operações nos postos da Grande Lisboa e Grande Porto. Mas não havendo resposta, não demorou muito até se gerar o caos no país, com corridas aos postos de abastecimento, filas intermináveis nas cidades e autoestradas e com o aeroporto de Lisboa a ficar perigosamente perto de esgotar as reservas. Acabou por ter de ser a GNR a garantir o acompanhamento de sete camiões-cisterna de Aveiras de Cima até à Portela, para assegurar a reposição. E este acabou por ser o único abastecimento durante todo o dia de ontem.

As exigências de um sindicato com cinco meses de vida

Em causa neste protesto está a exigência dos trabalhadores do setor de melhorarem as suas condições profissionais, nomeadamente deixando de ser equiparados a motoristas de pesados. Os motoristas de matérias perigosas querem, por exemplo, ver reconhecida a sua categoria profissional específica, uma vez que a profissão obriga a formações ao nível da condução em condições de risco e do manuseamento de matérias perigosas.

Por outro lado, os trabalhadores exigem melhores condições salariais – e aqui há novas divergências sobre a base de trabalho, com o sindicato a sublinhar que o salário-base é de 630 euros, enquanto a associação patronal ANTRAM afirma que é superior a 1400 euros. Por último, de acordo com o sindicato, os motoristas trabalham entre 15 e 18 horas por dia e, neste momento, já esgotaram as 200 horas suplementares do ano.

Estrutura independente da CGTP e da UGT, o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas foi criado apenas em novembro e já agrega quase mil sócios. Presidido por Francisco São Bento, a estrutura está focada na defesa dos direitos dos profissionais de matérias perigosas e na formação desses profissionais. Nascido a partir da Associação Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, o sindicato quer ver reconhecido o estatuto destes motoristas, até agora equiparados a motoristas de pesados. O foco da sua ação está na melhoria das condições salariais e de trabalho dos motoristas.