Previdência: Militares se defendem. Falta quem defenda os pobres

Em seu blog, o jornalista Leonardo Sakamoto pondera que o debate sobre a reforma da Previdência mostra que categorias historicamente privilegiadas, como os militares e juízes, estão mobilizadas para manter seus direitos intocados. Já a maioria da população, os idosos pobres, do campo e da cidade, saem em larga desvantagem. Oferecer uma solução justa que não puna os mais pobres "é o que nos dá o direito de, ao final de cada dia, sermos chamados de civilização e não de barbárie", afirma Sakamoto.

aposentados

Comandantes das Forças Armadas têm defendido publicamente que os militares sejam poupados da Reforma da Previdência ou, pelo menos, que ela lhes seja gentil. Os discursos têm peso, uma vez que a corporação é um dos pilares sobre o qual o governo Jair Bolsonaro está assentado e é talvez um dos únicos grupos capazes de rivalizar com a equipe econômica de Paulo Guedes, que representa parte do mercado.

De forma mais discreta, representantes das carreiras mais altas do funcionalismo público têm conversado com o Palácio do Planalto, o ministério da Economia e deputados e senadores a fim de garantir que as propostas mais agressivas de mudanças na previdência pública não vinguem. Até porque os mesmos parlamentares que hoje decidem o futuro de magistrados são os mesmos que poderão ser julgados por eles num futuro próximo.

Diante dos avisos daqueles que exercem o poder pela baioneta, tribuna ou caneta, não tem sobrado muito espaço para a defesa daqueles que nunca tiveram autonomia econômica sobre suas próprias vidas. E que apesar de serem representados por alguns sindicatos, defensores públicos, advogados, procuradores e sociedade civil, saem em larga desvantagem no debate sobre o futuro da Previdência.

Seja qual rumo a reforma tomar, os mais pobres e vulneráveis deveriam ser protegidos a qualquer custo. O projeto de Reforma da Previdência que tramitou durante o governo de Michel Temer sofreu tanta pressão que acabou cedendo na garantia de direitos desses grupos sociais mais vulneráveis. A manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC), o salário mínimo pago a idosos abaixo da linha da pobreza com mais de 65 anos, é um exemplo. Outro foi garantir que a aposentadoria especial de trabalhadores rurais da economia familiar, que hoje se aposentam aos 60 anos (homens) e 55 (mulheres), possam manter o direito de receber seu salário mínimo ao comprovar 15 anos de atividade – e não 15 anos de contribuição, como queriam alguns. Agora, deve-se garantir que esses grupos sejam protegidos nos debates que vão
recomeçar no Congresso Nacional.

A Reforma da Previdência precisaria de um debate mais aberto, franco e sem pressa para podermos redesenhar, de forma democrática, como será a política de aposentadoria que um Brasil mais velho deverá ter. Mas, nas eleições, preferimos discutir o futuro da mamadeira de piroca e a Venezuela. Nessa eleição ultrapolarizada, projetos de país não foram debatidos como precisaríamos. Isso não significa, contudo, que a população entregou um cheque em branco ao vencedor – pesquisas mostram preocupação com a Reforma da Previdência mostram isso.

A garantia que os idosos pobres, do campo e da cidade, tenham um mínimo de dignidade tem um custo, claro, que tem que ser pago coletivamente. Compreender e efetivar isso é o que nos dá o direito de, ao final de cada dia, sermos chamados de civilização e não de barbárie.

(Leia a íntegra do texto no post do Blog do Sakamato)