Ao atacar China, Bolsonaro se indispõe com quem mais investe no Brasil

Após a grande repercussão das declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, sobre a China, chamou-se a atenção para a dimensão e a importância que o país asiático exerce na economia brasileira. Trata-se do país que mais investe no Brasil e também o maior consumidor de produtos brasileiros.

Bolsonaro e Li Jinzhang - Divulgação

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante sua campanha eleitoral, fez diversas declarações críticas sobre as relações econômicas do Brasil com a China. No começo da semana, em entrevista à Rede Bandeirantes, Bolsonaro declarou que "nem a China ou qualquer outro país poderá comprar o Brasil", levantando suspeitas por parte de diplomatas e investidores chineses em relação ao novo governo brasileiro.

A preocupação manifestada pelo lado chinês fez o presidente eleito recuar e adotar um tom conciliador com a China. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para identificar a dimensão da presença da China na economia brasileira e quais são os riscos e oportunidades em jogo nesta interação.

O peso da China na economia brasileira

Em entrevista à Sputnik Brasil, o secretário-executivo do conselho empresarial Brasil-China, Roberto Fendt, destacou a grande importância que a China exerce hoje na economia brasileira. De acordo com ele, não só é país que mais importa produtos brasileiros, como é o maior investidor estrangeiro no país.

"A China é o nosso principal parceiro tanto na importação quanto na exportação […]. É um parceiro importante. E por ser o maior, obviamente torna-se importante em si. Mas também é muito importante porque a China hoje em matéria de fluxo de investimento anual é o maior investidor estrangeiro no país", ressalta Fendt.

O especialista observa que, no período entre 2007 e 2017, mais de 100 empresas se instalaram no Brasil.

"Essas empresas trouxeram 157 projetos que anunciaram ou já completaram […]. O grosso do investimento está no setor elétrico, no setor de geração e produção de energia em geral. Então os investimentos nessa área são maiores. O número de projetos é menor mas o volume de investimento é maior", disse.

Já o professor de economia da Ibmec-SP, Roberto Dumas, em entrevista à Sputnik Brasil, comentou que grande parte dos investimentos que a China faz no Brasil atinge pontos fundamentais para o país ter um crescimento sustentável, como infra-estrutura e logística.

"A importância da China na economia brasileira está cada vez maior por vários motivos. Primeiro, porque é o maior destino das nossas exportações. O segundo ponto que eu considero crucial são os investimentos que, felizmente, continuam vindo para o Brasil. Você já tem aí entre 70 e 80 bilhões de dólares de estoque de investimento direto que vêm aportar no Brasil em vários segmentos, quer mineração, agrobussines, infra-estrutura, emergia elétrica, óleo, gás, carros, etc.", destacou Dumas.

"Qual é a importãncia disso daí? Primeiro porque é o nosso maior mercado consumidor internacional. Segundo, que é um dos maiores investimentos diretos que vêm pro Brasil. Terceiro, agora felizmente os chineses estão indo para o Brasil para investir na parte de logística e infra-estrutura, que é justamente o nosso maior gargalo para o crescimento sustentável", acrescentou o especialista.

Investimento chinês no gargalo da economia brasileira

Roberto Dumas destacou que a China cumpre um papel fundamental ao investir em infra-estrutura no país, porque a maior parte das empresas brasileiras que podem investir neste setor no Brasil estão citadas na Lava Jato e acabam afastando investidores estrangeiros, mas a China é o país que está comprando as concessões destas empresas.

"De 1994 até 2014, o Brasil investiu mais ou menos 2% do PIB em infra-estrutura. Você precisa investir em infra-estrutura no mínimo 3,2% do PIB para pelo menos repôr a depreciação acumulada. No ano passado nós investimos menos que 1,6% do PIB. Aí você fala 'quem vai fazer esses investimentos?'. Bom, quem poderia fazer esses investimentos estão citados na Lava Jato, então provelmente [as empresas] não têm mais balanço material pra fazer esses investimentos Quem vai comprar as concessões de enérgia elétrica ou comprar as jóias da coroa das empresas que estão citadas na Lava Jato? Estão sendo os chineses", argumenta o economista da Ibmec-SP.

Ao comentar as declarações críticas do presidente eleito Jair Bolsonaro, Roberto Dumas afirmou que um chinês, ou qualquer naicionalidade, que vem pra cá, está ligado a um contrato de concessão, portanto existem normas contratuais a serem cumpridas, afastando, assim, o risco da presença estrangeira na economia brasileira.

"O chinês não vai pegar água da hidroelétrica, colocar nas costas e ir embora. O principal gargalo hoje em dia é justamente infraestrutura, energia elétrica, óleo e gás, e justamente quem tem dinheiro e vem pra cá o governo resolve arranjar eventualmente uma rusga? de onde que tiramos isso?", diz o economista.

Qual o efeito das declarações de Bolsonaro?

É consenso entre os especialistas que as declarações do presidente eleito enviam sinais negativos para um país que tem uma presença fundamental na economia brasileira, mas a posterior reunião de Bolsonaro com o embaixador chinês acalmou os ânimos entre os dois países e mandou um sinal tranquilizador para o mercado. Mas as dúvidas em relação aos próximos passos do governo brasileiro ainda permanecem.

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang, não deixou de manifestar clara preoucupação do mundo empresarial chinês. De acordo com ele, "os chefes de muitas grandes empresas chinesas estão preocupados". "Não é que os negócios estão sendo afetados, eles simplesmente estão em compasso de espera. Ninguém vai vir se não é bem-vindo. Os chineses estão cheios de dúvidas”, destacou.

O economista Roberto Dumas foi enfático ao dizer que é contraproducente fazer declarações críticas a um país que traz tanto dinheiro para o Brasil, mas acredita que não houve um propósito maior nessas afirmações.

"Na minha opinião esta declaração foi desproposital, e depois do encontro que teve com o embaixador no começo da semana, eu acho que o presidente eleito deve ter maneirado isso. Porque, veja bem, se o único país que traz mais dinheiro pro Brasil, você não pode brigar com ele e falar 'eu não vou vender o Brasil', você não está vendendo o Brasil, você está vendendo concessão de serviços públicos para um investidor internacional. No mínimo, parece que o presidente está sendo mal assessorado. Não é assim que se fala", destacou.

Guerra comercial EUA X China

Em editorial lançado após as eleições brasileiras, a imprensa estatal chinesa chegou a chamar Jair Bolsonaro de "Trump tropical", fazendo referência à dura posição do presidente norte-americano em relação à China.

Ao comentar os acenos que o novo governo tem feito à administração norte-americana de Donald Trump e a sua respectiva batalha comercial com a China, o economista Roberto Dumas opinou que o Brasil não pode seguir os passos dos EUA neste aspecto.

"Seria terrível, porque o Brasil é superavitário com a China. Quem mais compra soja, quem mais compra commoditie, quem mais compra petróleo, é a China, como é que eu vou entrar em uma guerra comercial com eles? Vou atirar justamente em quem está comprando minha mercadoria?", argumentou.

"O que a gente pode fazer é um plano de governo com o Itamaraty de tentar vender produtos com maior valor agregado. Não sair gritando como o Trump tá gritando de que quer fazer uma guerra comercial […] Aliás, tem um problema aqui. Comércio internacional não é soma zero […] está errado, é uma falácia dizer que déficit na conta comercial é ruim e superávit é bom. Claro, déficits crescentes nas contas externas pra financiar o consumo não é salutar. Mas déficits nas contas externas, importando bens de capital pra melhorar minha exportação é salutar sim", disse Dumas, em referência à posição dos EUA em relação à China.

Perspectiva das relações Brasil X China

Apesar das preocupações manifestadas por investidores e diplomatas chineses em relação às posições de Jair Bolsonaro, a mudança de tom do presidente eleito na última semana demonstra que o governo tende a adotar uma postura mais pragmática em relação ao país asiático.

O economista Roberto Dumas acredita que o governo esteja buscando ser melhor assessorado no que diz respeito a valorizar a importância das relações econômicas entre Brasil e China.

"Eu acho que muito provavelmente o governo deve ter atentado, no mínimo deve estar agora melhor assessorado obre a importância da China para a economia brasileira. Tanto no que se refere ao comércio internacional, no que se refere a investimentos diretos, e também a tentar endereçar os dois maiores problemas que nós temos de longo prazo, que é a infra-estrutura, que é o que mais vai trazer dinheiro pra cá", frisou.

De acordo com ele, as relações sino-brasileiras devem entrar nos eixos, tendo em vista o a dimensão da China na economia brasileira.

"Eu tenho um sentimento de que as relações comerciais e diplomáticas Brasil e China vão entrar nos eixos, porque certamente o presidente eleito vai compreender a importância que a China tem para a economia do Brasil. E ele é coerente, deve ter falado no calor das emoções", concluiu.