Volta da CPMF causa racha entre aliados de Bolsonaro

Começou o bate-cabeça na campanha de Jair Bolsonaro (PSL). A Folha de S.Paulo desta quarta (19) informa que o economista Paulo Guedes, coordenador do programa econômico do candidato, quer recriar um imposto sobre movimentação financeira, nos moldes da antiga CPMF. A notícia, que poderia até ser positiva para o país, provocou descontentamentos e desmentidos. O próprio postulante, de sua cama no hospital, usou o twitter para dizer que sua equipe trabalha pela redução da carga tributária.

Jair Bolsonaro - Reprodução

De acordo com a coluna de Mônica Bergamo, na Folha, o novo imposto sobre movimentações financeiras se chamaria Contribuição Previdenciária e serviria para financiar o INSS. Por outro lado, Guedes estaria estudando eliminar a contribuição patronal para a Previdência, que incide sobre a folha de salário. A reação ao novo tributo, contudo, foi imediata.

“Nossa equipe econômica trabalha para redução de carga tributária, desburocratização e desregulamentações. Chega de impostos é o nosso lema! Somos e faremos diferente. Esse é o Brasil que queremos!”, escreveu Bolsonaro nas redes sociais.

O assanhado vice na chapa de Bolsonaro, o general da reserva do Exército, Hamilton Mourão (PRTB), correu para colocar-se logo contra a proposta de Paulo Guedes, explicitada em encontro com um pequeno grupo reunido pela GPS Investimentos, especialista em gestão de grandes fortunas. “Eu sou a favor da redução de impostos como forma de dar uma alavancada. Agora, o Paulo Guedes está fazendo os estudos dele e a última instância é o Bolsonaro, o Bolsonaro que vai decidir”, disse Mourão.

Empresários que engrossaram a campanha do pato da Fiesp, contra a carga tributária brasileira, logo se movimentaram para deixar clara a insatisfação com o anúncio de Guedes. Conselheiro de Bolsonaro, Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista, estranhou a proposta o economista liberal. "Deve haver algum desacerto, alguma desinformação, pois tivemos uma reunião com Guedes na tarde de ontem e nada disso foi falado", declarou à Folha, insistindo que Bolsonaro tem se comprometido com a redução de impostos.

Se até então Guedes era tratado como o “guru” de Bolsonaro, que durante entrevistas tem delegado a ele todo o poder de decidir a política econômica do país, agora a situação parece ter mudado. "O presidente é quem sempre decidirá o que é mais oportuno. O papel dele [Guedes] é de indicar alternativas", afirmou o coordenador da campanha de Jair Bolsonaro em São Paulo, Major Olímpio.

Mais tarde, no final da tarde desta quarta, o prprio Guedes veio a público explicar que sua ideia é a substituição de todos os impostos federais por um único imposto, que incidiria sobre as transações financeiras de forma semelhante à antiga CPMF. Segundo ele, o compromisso do programa de governo de Bolsonaro é com a simplificação, a redução e eliminação de impostos. "O nosso projeto é liberal. Quem disse que nós queremos aumentar impostos?", acalmou os aliados.

O ataque de empresários e liberais aos impostos não é algo novo. O discurso falacioso da categoria, contudo, omite a necessária discussão sobre o assunto no país, que é a de que a carga tributária no país não é alta, mas, sim, injusta. Quem ganha menos paga mais, enquanto os ricos pagam muito pouco.

Nesse sentido, para a especialista em orçamento público e assessora política do Instituto de Estudo Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David, a proposta de recriação de um imposto à la CPMF não é, em si, ruim.

“Mesmo que a alíquota desse imposto seja ínfima, já seria interessante, porque permitiria fazer melhor regulação financeira no país, com controle da sonegação fiscal e dos fluxos financeiros ilícitas, que é uma pauta superimportante nacionalmente”, avalia.

Destinar a arrecadação do tributo para financiar uma política social também é visto como uma boa ideia por Grazielle. “O movimento da reforma sanitária, por exemplo, defende reativar a CPMF para direcionar os recursos para a saúde. E agora, quando se alega um déficit na Previdência, ter uma alíquota para direcionar os recursos arrecadados para o INSS também é interessante. Mas, como eles estão falando que querem acabar com a contribuição patronal para a Previdência, é necessário que se faça um cálculo para ver se a arrecadação de um vai compensar a perda de arrecadação do outro”, alertou.

Ela, no entanto, teceu críticas à proposta de Bolsonaro para a Previdência. Em seu programa de governo, o candidato do PSL defende o modelo de capitalização (contas individuais capitalizadas), no qual a ideia é que cada trabalhador guarde dinheiro para sua própria aposentadoria no futuro.

Desta forma, o governo retira os recursos do trabalhador, mas o coloca em um fundo. Quando a pessoa se aposentar, pode ter acesso ao seu próprio dinheiro com juros. Se ele contribuiu pouco, seja porque esteve desempregado ou em um emprego precarizado, receberá pouco ao se aposentar, o que acaba gerando um exército de velhinhos que vivem na miséria.

“É importante que Brasil olhe a experiência internacional. Não dá para fazer uma mudança tão significativa dessa, sem olhar como isso aconteceu em outros lugares. O Chile foi o grande laboratório dessa proposta e, 35 anos depois de capitalizarem a previdência lá, o cenário é péssimo, inclusive com a população nas ruas, pedindo a reestatização da previdência”, destacou.

Grazielle ressaltou ainda que várias das as razões que levaram ao fracasso desse modelo no Chile estão presentes no Brasil.

"Por uma série de motivos, como alta informalidade, baixos salários e consequentemente baixa contribuição, além de falta de transparência das administradoras dos fundos de pensão, as pessoas estão recebendo um benefício com valor abaixo do salário mínimo. Então há vários idosos em situação de rua. E, se olhamos para esses motivos pelos quais a capitalização não deu certo no Chile, temos todos eles aqui. Porque adotar um modelo, se já vimos que deu errado?”, questiona.