Debate econômico-eleitoral: dois programas e dois tetos

Há uma dicotomia clara nas propostas de governo dos candidatos dos campos progressista e conservador. Ela se resume à oposição entre o “equilíbrio fiscal” e o desenvolvimento com progresso social.

Por Osvaldo Bertolino*

Brasil em debate

Pode-se dizer que o debate econômico na atual campanha eleitoral se situa entre dois tetos: o da direita que, como explica um editorial do jornal O Globo, é “o equilíbrio das finanças públicas, para o qual é necessária a reforma da Previdência, a fim de estancar o processo sem controle de crescimento dos gastos primários (exceto juros)”, e o da esquerda, que defende os investimentos sociais e infraestruturais como caminho para a retomada do crescimento econômico e do desenvolvimento com progresso social.

A direita usa de argumentos matemáticos falaciosos para justificar reduções de garantias, de olho nas benesses do Estado. Quer um Estado grande e eletrizado para atender aos seus interesses e néscio ao tratar das necessidades do povo. Ela acha que só tem direitos e panfleta atendê-los ignorando completamente a lógica econômica que permite atender a maioria da sociedade, como fez O Globo.

O tão falado “equilíbrio fiscal” dos conservadores prega a manutenção do teto dos juros estufado e o dos investimentos sociais e infraestruturais (os gastos primários, exceto juros, no dizer d’O Globo) rebaixado ao máximo. Numa imagem: quer o erário público (o orçamento) cortado por um traço diagonal de alto a baixo, com uma ponta pressionando o teto do dinheiro dos juros para cima e o do gastos primários para baixo.

Aparelho econômico

Trocando em miúdos: a direita quer um Estado com muito dinheiro para o giro da ciranda financeira e algumas merrecas para as necessidades sociais. Ou por outra: o equilíbrio e a estabilidade do teto dos gastos financeiros sustentados pela política de juros elevados, associada à especulação com títulos públicos, saem das costas do povo. Essa é uma dicotomia essencial para se entender a lógica da existência de dois campos disputando as eleições presidenciais.

No projeto de governo da chapa Fernando Haddad-Manuela d´Ávila existem dois conceitos essenciais. Um é a regulação da economia pelo Estado e outro a criação de um mercado interno de massas. Regulação significa, em poucas palavras, retomar o planejamento, usar o Estado como elemento de coordenação e indução do processo de desenvolvimento. Não está sequer implícito que haverá estatização da economia, mas é clara a ideia de redefinição dos caminhos por onde devemos avançar, empregando alavancas como bancos estatais, empresas públicas, políticas de desenvolvimento específicas e parcerias com o setor privado.

O programa mostra que a crise no país atingiu uma extensão que põe em risco todo o aparelho econômico nacional. Há uma clara rejeição à noção de que o livre funcionamento do "mercado" levará ao desenvolvimento. E com razão. A decadência das economias de perfil neoliberal — cujo exemplo mais eloquente é a Argentina — mostra a evidente falsidade dessa tese. A posição vulnerável do Brasil diante dos mercados especulativos internacionais — parceiros preferenciais do programa da direita — deixa o país com pouca força pa crise mundial.

Mãos dos mercados

Para mudar esse rumo, explicita o programa, são necessárias medidas urgentes nos aspectos nacional e social. Fica evidente que a necessidade de remover os obstáculos para se criar uma ampla consciência sobre a necessidade do desenvolvimento será o principal desafio político. A ideia de voltar a corrigir as injustiças sociais — com a manutenção da valorização salário-mínimo, estímulo ao emprego e melhorias dos serviços públicos —, a razão da existências dos partidos de esquerda, também aparece com destaque no programa. Uma das primeiras medidas, para viabilizar essas propostas, será a remoção dos entulhos golpistas, como a Emenda Constitucional 95 e a “reforma” trabalhista. A reorientação da política econômica, macro e micro, de acordo com o programa, é indispensável.

Há muito tempo, pelo menos desde os anos 1930 e desde o New Deal (em português, novo acordo, ou novo trato) do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, ou, no caso do Brasil, desde Getúlio Vargas, sabe-se que os governos têm influência muito grande na geração de emprego. Não é possível fazer política de emprego nesse quadro macroeconômico adverso, porque ele é essencialmente contracionista. É um caminho sem saída — ou que vai dar em Argentina. Já é possível notar uma frustração crescente com a persistência do desemprego elevado e dos salários extremamente baixos, e com a inatividade do governo.

A política econômica golpista não está voltada para a geração de emprego e renda. Como mostra a experiência de muitos países que privilegiam a “estabilidade financeira”, o Brasil caminha com rapidez para impasses, resultado dessa política que não favorece o investimento e o crescimento, conduzida pelas mãos dos mercados financeiros internacionais. O programa de governo da chapa Fernando Haddad- Manuela d’Ávila propõe exatamente o oposto: a redistribuição de renda para estimular o crescimento do consumo interno, reduzindo os encargos da dívida pública e do superávit primário (o teto do dinheiro da ciranda financeira) para favorecer o crescimento.

Sirene de emergência

O Estado tem de entrar em ação para que o crescimento da economia reflita em aumento no emprego. Sem crescimento é difícil resolver o problema, mas a experiência também mostra que só isso não é suficiente. O governo tem de agir para favorecer a criação de empregos de qualidade, incentivar as pequenas e médias empresas — que são as que costumam criar mais vagas — e trabalhar para agregar valor às exportações. Um aumento significativo nas exportações pode acabar tendo efeitos insignificantes no mercado de trabalho se a economia não for preparada para isso.

Essas questões permitem que se veja a essência das duas principais opções que se apresentam para o Brasil. Teríamos que realmente tomar um rumo diferente. O país está completamente imerso nos fluxos internacionais de capitais especulativos, deixando a política econômica ser determinada pelos "investidores". E isso leva o país a orientar as prioridades econômicas para os setores exportadores de matérias-primas e financeiros. Um, o exportador, para conseguir divisas e pagar os encargos financeiros da dívida pública. Outro, o financeiro, porque ele rege os rumos desse sistema econômico.

Só uma virada na política econômica pode gerar crescimento auto-centrado na economia brasileira. Precisa, contudo, de uma inflexão firme, contínua, da política macroeconômica. Esse modelo baseado na liberdade total do dinheiro já fez soar a sirene de emergência, ecoando os efeitos da grave crise internacional. O sentimento de urgência por mudanças começa a tomar conta dos brasileiros. Há quase que um consenso de que o Brasil não pode mais esperar os resultados prometidos pelos golpistas.

Raiz dos problemas

O país está sendo tragado para o centro do furacão que tem arrastado economias com pés de barro, como aconteceu com a Argentina. Assim como foi na nefasta "era neoliberal", vencida politicamente em 2002 depois que o sentimento de exaustão tomou conta do país, chegou a hora de o Brasil enfrentar a raiz dos problemas criados pelo golpe de 2016. Todos os sinais apontam para a exaustão da imensa maioria de brasileiros diante de uma economia asfixiada pelo autoritário controle monetário, que continua gerando vulnerabilidade externa e mazelas sociais.

Virar esse jogo é uma tarefa monumental, mas é um passo que, se não for dado agora, mais tarde o preço a pagar será muito mais alto. O programa de Fernando Haddad e Manuela d’Ávila, que define claramente o projeto de desenvolvimento nacional, é a antítese do projeto ultraliberal e neocolonial da direita — assumido por todo o seu espectro de candidaturas (Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Marina Silva, Álvaro Dias, João Amoêdo e Henrique Meirelles) — e expressa a acumulação de forças desse bloco político progressista e uma resposta à crise profunda do padrão conservador da economia brasileira imposto pelo golpe de 2016.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu a questão quando disse, num evento na Fundação Perseu Abramo, que "o mercado só funciona se houver um Estado muito forte regulando-o e obrigando-o a cumprir algumas cláusulas sociais”. “Só o mercado não resolve. Compatibilizá-lo com um Estado regulador, capaz de garantir que ele atenda a todas as necessidades das pessoas, seria o ideal. Como fazer isso é o desafio que está colocado para o PT", afirmou.