Lula-ONU: Temer presidia Câmara quando país transformou pacto em lei

 Governo Temer já reconheceu a legitimidade do processo que Lula move no Comitê de Direitos Humanos da ONU contra a Lava Jato. Não faz sentido, agora, não reconhecer a legitimidade de um produto desse mesmo processo, que é a liminar que garante o petista na Eleição 2018.

Lula - Ricardo Stuckert

O hoje presidente da República Michel Temer era comandante da Câmara dos Deputados no ano em que o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi internalizado pelo Brasil, ou seja, virou lei a partir do momento em que o Congresso Nacional publicou o Decreto Legislativo 311, em 2009. Naquela época, o presidente do Senado era José Sarney.

O processo de integração de uma norma internacional ao direito interno acontece em duas etapas principais: primeiro é preciso que o Estado celebre um tratado, e a competência exclusiva para isso é da Presidência da República. Depois, cabe ao Congresso Nacional referendar a decisão do Executivo aprovando um decreto legislativo. É com a publicação do decreto que o Congresso confirma, "perante a ordem internacional, que o Estado se obriga perante o pacto que foi firmado."

Hoje, o governo Temer, por meio do Itamaraty e do Ministério da Justiça, rebaixa uma liminar concedida em favor de Lula pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, alegando que a comunicação que mandou garantir o petista na eleição 2018 tem caráter de "recomendação" e não de decisão judicial. Na visão da defesa de Lula, essa atitude mostra desconhecimento da equipe atual do Ministério das Relações Exteriores sobre os tratados dos quais o Brasil é signatário.

Quando transformou os termos do Protocolo ao Pacto em lei no Brasil, em 2009, o Congresso expressamente deu poder ao Comitê de Direitos Humanos da ONU para julgar processos solicitados por brasileiros que alegam violações de direitos em solo nacional.

Diz o Decreto que, "para melhorar atender os propósitos do Pacto Internacional" e a "implementação de suas disposições", o Comitê de Direitos Humanos da ONU foi "habilitado" para "receber e examinar, como se prevê no presente Protocolo, as comunicações provenientes de indivíduos que se considerem vítimas de uma violação dos direitos enunciados no Pacto."

Lula lançou mão desse direito em 2016, entrando no Comitê de Direitos Humanos da ONU com uma reclamação acerca do tratamento parcial que tem recebido dos tribunais brasileiros no âmbito da Lava Jato.

O governo Temer já foi notificado da existência desse processo no Comitê e, intimado a enviar uma resposta prévia das partes envolvidas, fez a defesa das ações da força-tarefa contra Lula sem questionar, em nenhum momento, a legitimidade do Comitê para processar a reclamação contra o Estado Brasileiro.

A liminar concedida a Lula no dia 17 de agosto se deu justamente no âmbito desse processo que está no Comitê da ONU, garantido pelo Decreto legislativo 311/2009.

Se o governo Temer reconheceu a legitimidade do processo, não faz sentido não reconhecer a legitimidade de um produto desse mesmo processo, que é a liminar.

O Comitê da ONU só vai julgar o caso de Lula, no mérito, no próximo ano. Mas será uma violação irreparável aos direitos políticos do ex-presidente se ele for excluído da eleição sem ter tido direito ao "trânsito em julgado justo". Foi por isso que o Comitê recomendou ao Estado Brasileiro que tome as "medidas necessárias" para garantir sua participação na disputa, mesmo que ele permaneça preso em Curitiba.

"Quando, em 2009, o Brasil subscreveu o Protocolo opcional (do Pacto), se obrigou a cumprir as decisões da ONU. Não é mera recomendação, é preciso levar a quem escreveu [a nota do Itamaraty] esse Decreto Legislativo", sugeriu o advogado de Lula Cristiano Zanin.

É fato que a ONU não vai mandar tropas ao Brasil se a liminar não for cumprida. Mas rebaixá-la à condição de "mera recomendação" e desqualificar o Comitê de Direitos Humanos alegando que seus membros decidem de maneira pessoal, e não técnica, é diversionismo. "Mostra a que ponto chegou o Itamaraty [sob o governo Temer]", disse o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.