O mercado financeiro entre a especulação e a desestabilização política

A recente revoada de dólares para o mercado de Nova York foi uma movimento especulativo de grande envergadura. Embora tenha desvalorizado as principais moedas do mundo frente ao dólar, esse movimento não teve consequência relevante sobre essas economias.

Por Lécio Morais*

Dólar e Euro - Reprodução

Já na América do Sul, a pressão de saída de dólares, iniciada no final de abril passado, desvalorizaram todas as moedas nacionais, com raras exceções, provocando duas crises cambiais, a da Argentina e a do Equador. Esses dois países tiveram suas reservas ameaçadas de esgotamento.

Crises cambiais são periódicas em países dependentes que precisam de dólar para manter operações com o exterior, criando graves danos a essas economias, as importações são racionadas e não conseguem pagar sua dívida externa. O que gera depressão econômica e perda de anos de crescimento.

Na verdade, um país exposto a crises cambiais periódicas é uma boa definição para classifica-lo como um país dependente.

O Brasil vencendo a especulação

Este ataque especulativo teve no Brasil consequências diferenciadas. Apesar de o real ter sofrido desvalorização, essa desvalorização teve um ritmo lento, em nenhum momento o país foi ameaçado por uma perda significativa de dólares e muito menos de uma crise cambial.

Nas vésperas da reunião do FED, a pressão do mercado – usando sua liberdade de ir e vir – conseguiu uma desvalorização mais significativa do real, elevando o preço do dólar de 3,50 entre 3,80.

O Banco Central anunciou uma medida que logo satisfez os apetites dos capitais financeiros com medo de perdas. Anunciou a venda de até 25 bilhões de dólares em contratos de swap, um seguro que pagam a diferença em reais se o preço do dólar se elevar em reais. Isso foi suficiente para estabilizar o câmbio. E a saída de dólares não teve significância.

A ação do BC, dando proteção contra a perda de câmbio, mostrou que, contra todas as expectativas criadas, os investidores não queriam sair do país, em que pese a difícil situação da economia e o grave momento político.

O segredo desse sucesso – pelo menos até o momento – são nossas grandes reservas internacionais, fato inédito em nossa história. O volume dessas reservas mantém-se estabilizada, desde 2012, entre 375 e 380 bilhões de dólares. Isso dá ao país uma forte posição de liquidez que não pôde ser desafiada pelos capitais financeiros, pois isso poderia trazer-lhes um grave risco de prejuízo.

A ameaça de um movimento politico de desestabilização da economia

No entanto, à medida que a especulação motivada pela taxa de juros do FED se desenvolvia “analista” do “mercado” e a grande mídia começaram a relacionar o movimento especulativo com a expectativa das eleições presidenciais.

Aqueles que viam um “movimento político” nos mercados argumentaram que o capital financeiro ao não ver, até o momento, a viabilidade de um candidato que defenda as suas “reformas”, desistiam do Brasil, levando seus capitais.

Apesar da versão desestabilizadora não ter se concretizado, ela pode voltar a ser tentada em breve, contando com a grande mídia para tornar a ameaça mais crível. Assim como aconteceu em 2002, quando os capitais financeiros iniciaram uma fuga especulativa, a partir de maio daquele ano, e, associado a grande mídia, criaram uma forte instabilidade.

Esse ataque especulativo obrigou os candidatos a aceitar que, se eleito, aceitariam a tutela do FMI, em um novo acordo assinado em setembro. Só isso fez parar a fuga de dólares que estava a reduzir o saldo de nossas reservas que montavam apenas a 35 bilhões de dólares.

O fator fundamental dessa “vitória” foi à conivência do Banco Central com a chantagem do “mercado”. Enquanto havia a fuga de dólares, o BC presidido por Armínio Fraga se manteve inerte. Declarava simplesmente que a “fuga” tinha motivação política e o BC nada tinha a fazer.

É possível que um movimento especulativo para influenciar o resultado das urnas volte a acontecer. Outra vez, o mesmo movimento pretenderá intervir para proteger seus interesses, elegendo um candidato confiável.

Esse movimento pode se tornar mais amplo e perigoso do que vivemos atualmente. O perigo não é que um ataque especulativo possa superar a forte posição de liquidez de nossas reservas. Mas porque o governo Temer e o seu Banco Central podem ser coniventes com a desestabilização, repetindo a manobra de FHC e de Armínio Fraga, repetindo 2002.

Embora dessa vez uma desestabilização possa não ser bem-sucedida, a grave situação política e institucional do país pode ser um campo fértil para ela.