Venezuela: nova vitória do povo, novas ameaças do Império

Em entrevista concedida ao blog do Fernando Moraes, o Nocaute, o ex-presidente do Equador, Rafael Correa, classificou os acontecimentos políticos dos últimos anos da América Latina como um “Plano Condor 2”.

Por Rita Coitinho*

Venezuela - Divulgação

A impressão do ex-presidente está baseada na articulação dos movimentos de desestabilização dos governos progressistas da região, no uso combinado de artifícios judiciais para perseguição de líderes de esquerda, no desapego às instituições democráticas e na agenda comum dos novos governos liberais que vêm se instalando por vias variadas, seja por meio de golpes jurídicos e parlamentares – Honduras, Paraguai, Brasil e, ao que parece, em breve na Nicarágua-, vitórias eleitorais antecedidas por intensa desestabilização com clara participação dos conglomerados midiáticos ou, como parece ser o caso do Equador, uma combinação entre infiltração e traição no poder executivo combinada às armadilhas judiciais já conhecidas por nós brasileiros.

De toda forma, a referência ao Plano Condor na fala de Correa é fundamental: trata-se de uma ofensiva contra a esquerda continental, em suas mais variadas vertentes. Na Venezuela os métodos são mais semelhantes àqueles empregados no Chile de Allende, na medida em que se coordena a violência política da oposição com a sabotagem econômica – que vai do bloqueio externo à ação interna de desvio e acobertamento de mercadorias, gerando propositadamente desabastecimento -, que tem o objetivo de gerar desespero e colocar a população contra o governo. Ao contrário do Chile dos anos 1970, contudo, não há adesão massiva das forças armadas à estratégia golpista e isto tem dificultado o desfecho planejado, de derrubada do chavismo e instauração de um governo neoliberal dócil às instituições financeiras internacionais.

As eleições realizadas ontem, com a presença massiva de observadores internacionais que testemunharam a lisura do processo eleitoral, foi uma vez mais vencida pelo chavismo. Chávez e o PSUV venceram todas as eleições presidenciais e respectivos referendos revogatórios desde 1998.

A reação da oposição radicalizada já era conhecida antes do final do pleito: os principais partidos opositores chamaram o boicote às eleições, ao mesmo tempo em que seu verdadeiro líder, a presidência imperial (refiro-me ao conceito de John Sáxe-Fernandez, que com ele caracteriza os verdadeiros “donos do poder” nos EUA, independentemente de quem seja o presidente), na voz de Donald Trump, já afirmara, dias antes, que não reconheceria o resultado eleitoral. Essas declarações antecipadas apenas confirmam que a retórica democrática não guarda nenhuma coerência quando o assunto são os interesses do capital internacional, das corporações petrolíferas, mineradoras e financeiras: querem nomear o mandatário venezuelano e pouco importa a vontade popular.

É por isso que a oposição preferiu apostar na tática já experimentada nos últimos anos, de sabotagem e não reconhecimento, apesar de que uma dissidência dessa oposição apresentou candidato. A direita a serviço do império sabe que não pode ganhar as eleições, pois o chavismo construiu, ao longo desses vinte anos, uma sólida base social. Milhões e milhões de venezuelanos que se politizaram ao longo desse processo e que sabem que as políticas sociais só são possíveis sob o governo popular e que a crise é fabricada pela burguesia e pelos monopólios midiáticos. É por isso que a direita aliada ao império não participa das eleições presidenciais; sabe que sai derrotada e perderia, com isso, seu trunfo: o discurso de deslegitimação dos processos democráticos. Preferem por isso apostar no clima de desconfiança, que pretendem, agora, justificar com os números de participação no pleito: 46,1% dos eleitores foi votar neste domingo. Na Venezuela, o voto não é obrigatório e, nesse sentido, vale lembrar que a participação nas últimas eleições nos EUA, onde o voto também não é obrigatório, foi de 46,6%. Por que essa participação é legítima nos EUA e não o é na Venezuela? Porque o discurso serve a quem domina os oligopólios midiáticos. Os dois pesos e duas medidas não causam nenhum tipo de vexame aos porta-vozes dos interesses escusos que se lançam sobre a Venezuela. Farão disso o argumento da vez para espalhar o terror sobre a população, já tão penalizada pela escassez de recursos, pela crise econômica e pela tensão política.

Uma vez mais está demonstrado que os EUA e seus aliados não estão interessados em eleições livres, e sim em controlar as riquezas – especialmente petróleo, minérios, água e recursos florestais – do povo venezuelano, bem como em reduzir sua influência nos processos contra-hegemônicos que influenciam na balança de poder do continente, como a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), que reúne também o Caribe e vem trazendo dificuldades para os EUA no controle das votações na OEA (Organização dos Estados Americanos). Retirar a esquerda do poder na Venezuela faz parte do plano mais amplo, que Correa chamou de “Plano Condor 2”, para toda a América Latina. Pretende-se varrer a esquerda do poder, eliminá-la completamente e retomar a agenda “neoliberal plus”: ultraexpoliação do povo trabalhador, com reformas draconianas e privatização de tudo o que for rentável.

Para que essa agenda seja possível, é preciso garantir que não haverá resistência, desorganizar completamente os partidos e movimentos sociais, desacreditar suas lideranças, prendê-las ou assassiná-las. A julgar pelas declarações recentes de Trump e por sua prática em outras regiões do mundo, os EUA e seus aliados farão qualquer coisa – inclusive militarmente, como já vêm dando mostras – para alcançar este objetivo. A Venezuela, ao que parece, é o principal campo de batalha da atualidade entre dois projetos: (1) a reconversão da América Latina em quintal dos Estados Unidos, sob uma agenda ultraneoliberal e (2) o caminho democrático e soberano. Retomar o segundo projeto requer os esforços de todos os defensores da democracia e de um projeto popular em nosso continente.