Palestina – a força da Marcha do Retorno

Por setenta anos, a violência israelense permeou todos os aspectos da vida palestina. E, outra vez, os palestinos resistem.

Por Greg Shuoak

A Marcha do Retorno - Spencer Platt / Getty

Em 14 de maio de 1948, há setenta anos, Israel proclamou sua “declaração de independência”. Desde então, todo dia 15 de maio foi o Dia da Nakba (catástrofe, em árabe), quando os palestinos denunciam a limpeza étnica contra seu povo que a criação de Israel significou. Este ano, o dia da Nakba culminou com a Marcha do Retorno, quando os palestinos vão se mover em massa até a cerca que Israel ergueu para isolar Gaza, e dizer que pretendem passar pela barreira. Até o momento, Israel já matou pelo mais de 150 manifestantes palestinos no que a Anistia Internacional chamou de "uma violação repugnante da lei internacional", envolvendo "o que parecem ser assassinatos intencionais que constituem crimes de guerra".

Como outros estados coloniais, Israel pretende asfixiar as capacidades socialmente reprodutivas das populações autóctones que procura dominar. Esse imperativo é particularmente urgente no caso de Israel, onde as populações judias e não-judias sob o controle do Estado são de tamanhos semelhantes e a terra em questão é relativamente pequena. Essa negação discriminatória de direitos se estende aos palestinos em todo o mundo, sejam eles cidadãos de segunda classe de Israel, sob ocupação, seja na diáspora ou em campos de refugiados. Todos são impedidos pela violência, com apoio decisivo dos EUA, de retornar às suas casas.

A mensagem inconfundível para os palestinos, desde antes da Nakba até a Marcha do Retorno, é que a menor resistência ao etno-estado erigido em sua terra natal será encarada com prisão ou força letal por parte de Israel.

Anatomia da Repressão

A violência israelense permeia todos os aspectos da vida palestina, mesmo que suas estratégias de resistência tenham assumido uma variedade de formas ao longo do tempo.

Para criar o estado de Israel, em 1948, as forças sionistas expulsaram 750.000 palestinos de suas casas. No processo, realizaram cerca de dez massacres em grande escala, cada um com pelo menos cinquenta vítimas, juntamente com cerca de cem massacres menores. As forças paramilitares pré-estatais de Israel mataram palestinos em quase todas as aldeias, jogando repetidamente os corpos das vítimas em poços. Em várias ocasiões, milícias sionistas mataram crianças palestinas e estupraram mulheres.

Atrocidades semelhantes continuaram nos primeiros anos de Israel. Em 1953, as forças israelenses massacraram 69 aldeões palestinos em Qibya. Os sionistas alegaram ter havido “infiltração” do território israelense por refugiados palestinos. Durante a guerra de Suez, em 1956, mataram 48 trabalhadores palestinos em Kafr Kassim; 275 civis palestinos em Khan Yunis e um campo de refugiados próximo; e, em seguida, mais 111 no campo de refugiados de Rafah.

Depois de 1967, com o estado de Israel consolidado, teve início aquilo que Tariq Dana e Ali Jarbawi chamam de "sonho de uma Grande Israel”, sem árabes. 350.000 palestinos foram expulsos de suas casas, enquanto Israel ocupava Gaza e Jerusalém Oriental, e as Colinas de Golã, na Síria, e o Sinai, no Egito. Quase 600.000 colonos israelenses ocuparam ilegalmente estes territórios, com o apoio do governo sionista. O massacre de palestinos em Israel continuou desde então: recentemente, no verão de 2014, Israel deixou 2.251 palestinos mortos – incluindo 1.462 civis e 556 crianças – na fúria assassina chamada Operação Margem Protetora. Como revelou o estudioso canadense Nahla Abdo, a violência dos palestinos deve ser vista no contexto dessa “relação assimétrica” entre os dois lados.

Enquanto isso, aos palestinos dos territórios ocupados – mas não os colonos israelenses – é sistematicamente negado o processo legal: mantidos sem julgamento, em prisão administrativa ou submetidos a processos militares e rotineiramente torturados. Esse tratamento se estende às crianças, sujeitas a práticas que, nas palavras da UNICEF, “resultam em tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante, de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança ea Convenção contra a Tortura”, incluindo ameaças de “morte, violência física, confinamento em solitárias e agressão sexual, contra si ou a familiares”. Atualmente, existem nas prisões israelenses mais de 6.000 presos políticos palestinos.

Quando os palestinos não estão sendo algemados, torturados, bombardeados ou abatidos, eles vivem sob a ameaça perpétua dessas atrocidades. Após a guerra de 1967, Israel estabeleceu um regime para bisbilhotar tudo, desde oficinas palestinas que fabricam móveis, sabão, tecidos, produtos de azeitonas e doces, até quantos televisores, refrigeradores, fogões a gás, pomares, animais e tratores os palestinos possuem. E muitas vezes censurando livros, romances, filmes, jornais e panfletos políticos.

Violência Econômica

A violência econômica – roubo da riqueza palestina e destruição de sua capacidade de se sustentarem – define o tratamento imposto por Israel aos palestinos. Nos anos imediatamente posteriores a 1948, Israel adotou o confisco e o controle da terra palestina, mais notavelmente a Lei da Propriedade Ausente, de 1950, pela qual Israel garantiu 90% da terra ao designar como "ausentes" os palestinos que deixaram sua residência devido à repartição feita pelas Nações Unidas em 1947.

Os assentamentos israelenses são instalados em áreas ricas em recursos, projetados para explorar a água e a terra arável – uma política que aumenta os recursos de Israel e priva os palestinos do desenvolvimento econômico. Após a ocupação de 1967, Israel construiu um regime econômico destinado a incorporar a economia palestina à de Israel, tornando seu governo colonial num empreendimento barato e, ao mesmo tempo, frustrando o desenvolvimento econômico palestino.

Entre as medidas adotadas estavam o fechamento de instituições financeiras e monetárias árabes, a imposição da moeda israelense, a proibição de exportações e importações, exceto através de fronteiras controladas por Israel, a imposição de altos impostos (alfândega, imposto de renda, IVA), investimentos em infra-estrutura, licenciamento estrito para atividades industriais e controle das comunicações, eletricidade, água e recursos naturais. As políticas israelenses transformaram o mercado palestino em um mercado cativo que se tornou um conveniente lixão para produtos industriais israelenses de má qualidade que não podiam competir com os fabricantes dos países industrializados da Europa e da América do Norte. Isso não só trouxe grande lucro para a economia israelense, mas também formou uma nova classe de capitalistas israelenses, cujas principais atividades industriais foram projetadas para os territórios ocupados.

Assim, as políticas israelenses provocaram uma deterioração da base econômica palestina e criaram uma dependência estrutural em relação à economia israelense, à medida que Israel controla os principais pontos nodais da atividade econômica, como fronteiras, terras, recursos naturais, comércio, movimento da mão-de-obra, gestão fiscal. e zoneamento industrial. Por mais de uma década, além disso, o brutal cerco militar, envolvendo EUA, Israel e o Egito dizimou Gaza a ponto de em breve se tornar inabitável. Militares e colonos de Israel arrancaram centenas de milhares de oliveiras palestinas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e nos primeiros anos deste milênio o exército israelense arrasou quatro milhões de metros quadrados de terra cultivada.

A Marcha do Retorno

Desde o início das manifestações da Marcha do Retorno, em 30 de março, Israel matou dezenas de palestinos e feriu quase 4.000. Nenhum israelense foi ferido. A força da marcha é chamar a atenção para a falta de legitimidade da manutenção artificial de uma maioria demográfica judaica em toda a Palestina histórica. Enquanto massas palestinas se aproximam da cerca entre Gaza e Israel, os manifestantes personificam a "ameaça" do retorno a seus lares, vivendo em uma Palestina-Israel que não tem como premissa manter os palestinos fora e perpetuamente apátridas – como refugiados, ou como uma minoria oprimida em Israel.

Os manifestantes tentam, em suma, afirmar, pelo menos temporária e simbolicamente, o direito à sua terra, sua identidade, sua nacionalidade, sua libertação – precisamente o que os acordos com Israel e seu patrono norte-americano não produzem.