Lucro da Petrobras: o papel da venda de ativos e da alta do petróleo

O resultado esconde as dificuldades da estatal em gerar caixa, apesar do aumento do preço do barril no mercado internacional.

Por Eduardo Costa Pinto e Rodrigo Pimentel Ferreira Leão*

PIB

A Petrobras divulgou na terça-feira (8) o seu balanço do primeiro trimestre. O lucro líquido foi de 6,9 bilhões de reais, crescimento de 56% em relação ao mesmo período do ano passado.

O resultado positivo, segundo a Petrobras, aconteceu em virtude da elevação do preço do petróleo Brent, proporcionando maiores margens na exportação, maior lucro com venda de derivados, elevação nas margens e volumes da comercialização do gás natural, receitas de 3,2 bilhões de reais com alienação de ativos, tais como Lapa, Iara e Carcará; redução com despesas gerais.

Todos esses elementos, de fato, contribuíram para esse resultado. A Petrobras desconsiderou, no entanto, outros dois principais determinantes, a saber: a elevação do Brent em 28,1%, que possibilitou a elevação das receitas de vendas do segmento de exploração e produção, mesmo com a redução de 5% na produção do petróleo. Essa área foi a única que apresentou expansão no lucro líquido no período de comparação.

Ao mesmo tempo, as receitas não recorrentes, fruto da venda de ativos operacionais, resultaram numa variação de 3,4 bilhões de reais no resultado da conta alienações e baixas de ativos no cotejo com o primeiro trimestre do ano passado. Assim como em outros períodos, os resultados foram fortemente influenciados pelas receitas operacionais não recorrentes.

Mesmo com o resultado positivo, a geração de caixa operacional mostrou pequena capacidade de crescimento entre os trimestres, como observado tanto nos recursos gerados pelas atividades operacionais (do Demonstração do Fluxo de Caixa consolidado) quanto no EBITDA ajustado (lucro antes de juros, taxas, amortizações e depreciações).

Nessa primeira métrica, que desconsidera as receitas não recorrentes, ocorreu uma queda de 4% (de 23,2 bilhões para 22,2 bilhões de reais), ao passo que na segunda verificou-se um crescimento de mero 1,6%.

Entre os primeiros trimestres de 2017 e 2018, os ganhos operacionais gerados na E&P (variação de 4,8 bilhões de reais no EBITDA ajustado) foram, em parte, anulados pela variação negativa dos ganhos na área de Abastecimento (- 1,6 bilhão), mesmo com a elevação das margens de exportação de petróleo (crescimento das exportações líquidas de 489 mil bpd para 507 mil bpd) e de derivados, movimento incapaz de contrabalançar as perdas de receitas no mercado interno.

Ocorreu neste período uma forte redução da geração de caixa operacional no downstream em virtude das quedas das margens no segmento do Abastecimento (de 13% para 11% na margem do EBITDA) e do market share do consumo aparente de derivados, com a exceção das importações de diesel que a Petrobras aumentou sua participação recentemente. E incluído o mercado de etanol, no qual a Petrobras também tem reduzido sua atuação.

O processo tem provocado uma forte redução do nível de utilização das refinarias da Petrobras (72% no primeiro trimestre de 2018), indicador que esteve acima de 90% no início da década. Cabe ressaltar que esse percentual é ainda inferior para as refinarias que foram anunciadas no pacote de privatização. As refinarias do Paraná (Repar), do Rio Grande do Sul (Refap) e da Bahia (Rlam), no mês de fevereiro, apresentaram um fator de utilização menor do que 60%.

Com essa estratégia, a Petrobras não tem utilizado sua posição de price maker (formador de preço) para manter ou aumentar suas margens num mercado claramente oligopolizado da produção e distribuição de derivados, reduzindo de forma deliberada sua capacidade de gerar receita em prol da expansão dos seus concorrentes.

Mais grave é que a Petrobras, gradualmente, com a perda de mercado e a possível venda do refino, tende a perder essa posição de formadora de preço no médio prazo.

Portanto, a empresa aumenta cada vez mais sua dependência das exportações de petróleo cru (e do seu preço internacional) para a geração de caixa operacional.

As reduções nas margens e no market share no mercado de derivados, a redução do fator de utilização da carga e aumento das exportações, além do alijamento da atuação no refino não têm dado, do ponto-de-vista financeiro, o retorno esperado à companhia.

Isso se expressou não apenas na redução da margem do EBITDA consolidado (de 37% para 34%), mas na menor geração de receita do segmento de abastecimento.

Além disso, a atual estratégia Petrobras tem como um dos seus eixos a forte redução dos investimentos, que decresceu 13,8% (de 11,5 bilhões pra 9,9 bilhões), com o objetivo de aumentar o fluxo de caixa livre para adiantar amortizações da dívida.

Cabe notar que, excluído o segmento de E&P, a retração dos investimentos foi de 56,3% (de 2,3 bilhões para 1,1 bilhão de reais no mesmo período). Essa estratégia de redução dos investimentos, embora traga recursos imediatos para a empresa, além de reduzir a capacidade de geração de caixa operacional no médio e longo prazo, torna a Petrobras uma empresa cada vez mais desintegrada em outras segmentos de energia.

No lado financeiro, os resultados do balanço expressam a estratégia em curso de acelerada desalavancagem. Entre o quarto trimestre de 2017 e o primeiro deste ano, a redução da dívida bruta foi de 6% (menos 20 bilhões de reais), ao passo que a dívida líquida caiu bem menos –valor de 270,7 bilhões – em virtude da redução da disponibilidade ajustadas (disponibilidade, títulos públicos federais e time deposits) em aproximadamente 10,5 bilhões.

Somando esse valor aos fluxos de receitas oriundos da venda de ativos (7,5 bilhões de reais), a Petrobras reduziu seu patrimônio em 17 bilhões, com o objetivo de diminuir o capital de terceiros.

Com essa redução da dívida líquida e o crescimento do EBITDA ajustado ocorreu a redução do índice financeiro (dívida líquida/EBITDA Ajustado) de 3,67 em dezembro para 3,52 em março. A dificuldade para reduzir esse índice se deve muito mais aos entraves atuais para a melhora do resultado operacional (EBITDA) do que à diminuição da dívida, isto é, a alavancagem tem caído de forma gradual por conta de dificuldade de geração operacional da empresa.

Em linhas gerais, os resultados do balanço do promoveram, por um lado, um sentimento de melhora para os analistas do mercado financeiro em virtude do resultado do lucro líquido. Esse resultado escondeu, porém, as dificuldades que a Petrobras atravessa em relação à geração de caixa operacional (descontando as receitas não recorrentes), mesmo com a expressiva elevação do preço internacional do petróleo. Isso é fruto da adoção de uma estratégia de redução deliberada de sua participação no downstream, que torna a empresa mais vulnerável às oscilações do preço do petróleo.

Nesse momento, mesmo com ventos a favor (elevação do Brent), a empresa apresenta dificuldades na capacidade de geração de recursos operacionais. E quando os ventos virarem, ela conseguirá reagir com a redução de sua capacidade de geração de caixa no mercado de derivados (refino e distribuição)? A empresa integrada fará falta.

* Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e integrante do INEEP. E-mail: [email protected]. Rodrigo Pimentel Ferreira Leão é economista (FACAMP) e mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Atualmente, é um dos diretores técnicos do INEEP e pesquisador-visitante da UFBA