Chacinas dobram em 2 meses de intervenção no Rio, aponta Observatório

Relatório “À Deriva” lançado nesta quinta-feira (26) apontou que a intervenção no Rio de Janeiro não solucionou o problema da violência no estado e ainda aumentou o número de tiroteios, de roubos, chacinas e mortes, segundo dados do Observatório da Intervenção. Para a coordenadora do projeto, Silvia Ramos, “a intervenção não veio solucionar o problema da violência e, talvez, até tenha criado novos problemas que não tínhamos”.

Por Verônica Lugarini

Intervenção militar no Rio de Janeiro - Midia Ninja

Com o intuito de monitorar diariamente as ações militares no Rio de Janeiro, o Observatório da Imprensa divulgou, nesta quinta, dados que expõem a real face da intervenção militar em curso no estado desde o dia 16 de fevereiro deste ano.

Para balizar a apuração, o Observatório comparou os dois meses anteriores a intervenção com os dois meses posteriores. E os resultados são de crescimento da violência, comprovando a ineficiência de uma intervenção mal planejada que está agravando os problemas no Rio de Janeiro.

De 16 de fevereiro a 16 de abril, os tiroteios, balas perdidas, pessoas feridas e mortas e casos de chacinas (três ou mais mortes num único evento) aumentaram. Segundo o estudo, dois meses antes da intervenção o número de tiroteios foi de 1.299 para 1.502. O número de mortos também aumentou de 262 para 284 pós ação militar.

Enquanto isso, o número de chacinas dobrou no período, foram 12 chacinas, com 52 vítimas nos dois meses após contra 6 chacinas, com 27 mortos antes da intervenção.

“A existência de vítimas múltiplas em episódios de intervenção policial e de confronto de facções criminosas pode estar-se tornando uma marca deste novo momento do Rio sob intervenção, o que exigirá um monitoramento com foco nesse fenômeno”, aponta o relatório.

Lembrando que entre as 52 vítimas após a intervenção estão os 5 jovens mortos que davam aulas de hip-hop para crianças em Maricá e os 8 mortos em uma operação na favela da Rocinha.

Intervenção não é a solução

Na apresentação do relatório, Silvia Ramos, coordenadora do projeto, destacou que a primeira pergunta para o início do estudo foi tentar entender o que aconteceu no Carnaval de 2018 para que se fosse decretada uma intervenção às pressas E, um dos motivos apontados pelo Observatório foi a tentativa de votação da reforma da previdência.

Já que, sem força no Congresso para aprovar a reforma, o governo apostou as fichas em uma intervenção que permitiu ao Planalto a abandonar essa pauta, pois a Constituição proíbe a votação de propostas de emenda constitucional durante períodos de intervenção.

Enquanto isso, entre os argumentos do governo Michel Temer para justificar a ação militar, estava o aumento da violência, o colapso do governo estadual e o risco de que o caos se estendesse a outros estados da Federação.

Todavia, o estudo mostrou que o país já passou por momentos mais críticos anteriormente sem que houvesse sido decreta uma intervenção.

“O Brasil já experimentou situações mais tensas de desordem urbana do que o carnaval de 2018, como a onda de saques em Vitória (2017), as séries de mortes a partir de motins em presídios em estados do Nordeste (2016, 2017 e 2018) e os ataques do PCC em São Paulo (2006). No Rio de Janeiro, o estado atravessou fases mais difíceis no fim dos anos 1990 e em 2002, com taxas de homicídio muito maiores que os atuais e graves ataques por facções”, diz o texto.

Além disso, o Rio de Janeiro não está entre os classificados com as piores taxas de criminalidade. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, o estado está em 11º lugar em relação aos homicídios – no Rio, a taxa é de 37,6 por 100 mil habitantes, contra 60 por 100 mil em Sergipe.

Segundo o Observatório, a intervenção federal não resolve os problemas estruturais que se acumularam durante anos e pode introduzir novos dilemas em quadro já complexo. Sendo a intervenção “a antítese dos esforços continuados e estruturados necessários para enfrentar os desafios da violência no estado, que se agravam desde os anos 1980”.

Custo da intervenção

Em 16 de fevereiro Michel Temer nomeou o General Walter Souza Braga Netto, Comandante Militar do Leste, como interventor.

Algumas semanas depois de tomar posse, Braga Netto anunciou que sua equipe havia calculado os custos da intervenção em R$ 3,1 bilhões. Deste montante, R$ 1,6 bilhões seriam destinados a quitar dívidas de 2016 e 2017; e R$ 1,5 bilhões, para o custeio de ações e despesas de 2018.

“Chama atenção o alto valor da dívida, resultado de atrasos na folha salarial e no pagamento de fornecedores. Não seria o caso de realizar uma auditoria sobre o setor de Segurança e o sistema prisional do estado, para tornar públicos a origem do déficit, os principais débitos e a programação de pagamento? Não se tem notícia de esclarecimento do tipo. Também é impressionante a solicitação de R$ 1,5 bilhão de verbas extras para 2018, sem que seja apresentado um plano para uso desses recursos”, questiona o Observatório.

Foram realizadas 70 operações no Rio de Janeiro, deste número, apenas 25 operações foram monitoradas, tendo um total de 40 mil agentes envolvidos. O resultado dessas operações doi a morte de 25 pessoas pelas Forças Armadas e a apreensão de 140 armas.

Em contrapartida, a coordenadora destacou que os custos dessas operações não foram divulgados pelo comando da intervenção. Em outras palavras, o governo não anunciou atpe agora o quanto e onde o valor destinado para a intervenção será gasto, nem quais são os planos e as metas dessa medida.

“Esse relatório se chama ‘À Deriva’, [porque é uma intervenção] sem programa, sem resultados e sem rumo, sendo que os resultados apresentados no relatório são iguais ou piores do que antes da intervenção”, disse Silvia Ramos.

Conclusão

Por fim, o relatório mostra que a intervenção militar no Rio de Janeiro foi definida às pressas e sem planejamento, ou com qualquer transparência sobre quais os recursos usados ou metas da ação. Com isso, essa medida não resolve os problemas estruturais, mas cria novos problemas para o estado, conforme relata a coordenadora:

“A intervenção é uma medida política que traz problemas novos, como militares participando dando sua opinião na política brasileira sem que os problemas de segurança no Rio de Janeiro sejam resolvidos. Eles utilizam o medo da população e a ideia de que a segurança está um caos para dizer que eles iriam resolver isso, mas mostramos que [a intervenção] não resolveu, que os resultados são muito ruins depois de dois meses e que traz novos problemas”.