Ferroviários enfrentam governo e prosseguem com greve na França

A semana começa tensa na França. Os sindicatos da SNCF estão unidos na intenção de prosseguir a luta, face a intransigência do governo. Nas universidades e aeroportos a luta também continua

greve dos ferroviários na França - Lusa

A greve nacional dos ferroviários prossegue nesta segunda-feira (9), quando a Assembleia Nacional começa a debater o projeto de lei sobre a Sociedade Nacional dos Caminhos de ferro Franceses (SNCF).

Na sexta-feira (6) passada os sindicatos da SNCF classificaram como uma "mascarada" a posição do governo na primeira reunião com os sindicatos e anunciaram a intenção de "reforçar, ampliar e endurecer a luta" para "fazer frente ao governo", informa o 20 minutes. Admitem prolongar a greve "dois em cinco" (dois dias de greve em cada cinco dias de trabalho) para depois do mês de maio, se as suas reivindicações não forem atendidas. As declarações nesse sentido foram da CGT-Ferroviários mas também da CFDT, da Unsa e da Sud-Rail. Os sindicatos estão unidos na luta pelos seus direitos e contra a liberalização do setor ferroviário na França.

Desde os primeiros dias da greve "o tráfego ferroviário foi muito perturbado", informa a mesma fonte. A Confederação Geral do Trabalho (CGT) é mais precisa: a mobilização dos ferroviários foi um sucesso, metade estiveram em greve em todo o país e cerca de 15 mil participaram nas assembleias-gerais convocadas pelos sindicatos. A AFP confirma que apenas "um em cada cinco comboios TGV e Intercidades circularam".

As decisões sobre a continuidade e natureza das formas de luta têm sido democraticamente escolhidas, com votações nos locais de trabalho.

A greve prossegue hoje e amanhã, dias 8 e 9 de abril e regressará na sexta e no sábado, dias 13 e 14 de abril.

Uma luta patriótica

As reivindicações dos ferroviários ultrapassam o quadro estritamente trabalhista e "são do interesse dos franceses", afirma a CGT. Os sindicatos querem "verdadeiras negociações sobre a dívida e o financiamento" que ultrapassem a "solução mágica" do governo – a privatização e a liberalização do mercado ferroviário.

O estatuto da empresa, o estatuto do ferroviário, a organização da produção, a reinternalização das cargas de trabalho, os direitos sociais e as garantias sociais, entre outros, são assuntos sem cima da mesa. A CGT cita o conhecido sociólogo Pierre Bourdieu para afirmar que o combate dos trabalhadores é contra "a destruição de uma civilização, associada a existência do serviço público". Bernard Thibault, antigo secretário-geral da CGT, afirma que "a greve dos ferroviários é do interesse geral". A CGT alerta para o exemplo da destruição da British Rail inglesa, que teve como consequência uma subida de preços em 117%.

A dívida é um falso pretexto e encobre a má gestão dos sucessivos governos e da "nobreza de Estado"

O governo tem jogado com a dívida da SNCF a qual, segundo declarou na quinta-feira (5) passada, na Assembleia Nacional, atinge 55 mil milhões de euros e custa 1 milhão de euros à empresa. Os sindicatos responsabilizam o governo – e o Estado pela má gestão na SNCF. Bernard Thibaut lembra que a atual ministra dos Transportes, Élisabeth Borne, "dirigiu durante anos a estratégia da SNCF", que agora pretende "reformar", e terá decerto "toda a perícia para explicar porque se enganou em realção a estratégia, e prossegue: "acusar os ferroviários de serem responsáveis pelas políticas públicas é o cúmulo". A CGT, a este respeito, relembra as palavras de Pierre Bourdieu, num comício de apoio a uma greve dos ferroviários, na Gare de Lyon, em 1995: "Esta nobreza de Estado, que prega o enfraquecimento do Estado e o reino sem limites do mercado e do consumidor – substituto comercial do cidadão – apossou-se do Estado. Fez do bem público um bem privado, e da coisa pública, a República, sua coisa".