Marcelino da Rocha: É inviável crescimento com indústria estagnada

“O emprego metalúrgico no Brasil vive uma fase de regressão e precarização”, declarou o dirigente metalúrgico Marcelino da Rocha em entrevista ao Portal Vermelho. Ele é presidente da Federação Interestadual dos Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil (Fitmetal), uma das organizações de trabalhadores que compõe o Movimento Brasil Metalúrgico em defesa dos direitos do segmento e que reúne representantes de todas as centrais sindicais do país.

Por Railídia Carvalho

Marcelino da Rocha no Fórum Social Mundial 2018 - Fernando Damasceno

Nesta terça-feira (20) sindicatos, federações e confederações se encontraram para dar prosseguimento à construção de uma agenda comum de lutas voltadas para a retomada do desenvolvimento com valorização do trabalho e geração de emprego e renda. Combater a desindustrialização no país assim como defender um Contrato Coletivo Nacional de Trabalho estão na agenda metalúrgica. “Nossa principal batalha hoje é pela manutenção de empregos e direitos. Por isso, defendemos a revogação da reforma trabalhista de 2017”, acrescentou Marcelino.

Confira a entrevista na integra:

Portal Vermelho: O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), teve queda de 0,56% na comparação entre janeiro e dezembro mostrando que a recuperação que o país precisa está longe. Como você avalia esse dado e o efeito na indústria?

Marcelino da Rocha: O crescimento do PIB em 2017, além de modesto, foi determinado pela agropecuária – um setor importante, mas muito vulnerável a fatores sazonais e às oscilações nos preços das commodities. A indústria, por sua vez, permaneceu estagnada. Enquanto o setor primário for a “força motriz” da economia – e não o secundário –, é inviável manter um crescimento sólido e duradouro do País. Sem política industrial estimulada pelo Estado, não é possível viabilizar crescimento com desenvolvimento.

Portal Vermelho:Como você avalia a reunião do Movimento Brasil metalúrgico nesta terça-feira (20)?

Marcelino: A reunião se revelou positiva ao demostrar que as tendências sindicais que ergueram o movimento Brasil Metalúrgico seguem unidas, fortalecendo o protagonismo da categoria metalúrgica, sem desrespeitar o papel das centrais sindicais. Há um consenso de que, neste ano de eleições presidenciais, temos de pôr a indústria nacional e os trabalhadores no centro de um projeto para o futuro do País. Vamos levar propostas do Brasil Metalúrgico aos candidatos à Presidência.

Portal Vermelho: Enquanto a economia não se recupera como deveria, quem sofre é o trabalhador. Como você que tem esse contato com a base e outros sindicatos da FITMETAL relatam a situação do dia a dia do trabalhador. Como está vivendo hoje esse homem e essa mulher metalúrgicos?

Marcelino:
O emprego metalúrgico no Brasil vive uma fase de regressão e precarização. A crise na indústria, somada aos efeitos do golpe de 2016 e da operação Lava Jato, deixa fábricas e estaleiros ociosos. Muitas empresas encerraram suas atividades nos últimos anos, a tal ponto que, desde 2013, a categoria metalúrgica perdeu mais de 550 mil postos de trabalho.
As perdas salariais também são expressivas. Segundo um levantamento da consultoria Euromonitor International, um operário ganhará mais hoje se trabalhar na China do que no Brasil. Não era assim na década passada. Entre 2005 a 2016, o salário médio de um operário na indústria chinesa, por hora trabalhada, passou de US$ 1,20 para US$ 3,60. Já na indústria brasileira, caiu de US$ 2,90 para US$ 2,70. Estão jogando a conta da crise da nossa indústria nas costas dos metalúrgicos e operários.
Fenômenos como a rotatividade e a terceirização também avançam, embora as entidades sindicais metalúrgicas tenham lutado heroicamente contra a aplicação da reforma trabalhista. Nossa principal batalha hoje é pela manutenção de empregos e direitos. Por isso, defendemos a revogação da reforma trabalhista de 2017.

Portal Vermelho: Que outros desafios os metalúrgicos precisam enfrentar e quais instrumentos tem sido debatidos pelo Brasil Metalúrgico? 

Marcelino:
Outro ponto que ganha força em nosso dia a dia é a luta em defesa do Contrato Coletivo Nacional de Trabalho para a categoria metalúrgica, com data-base única em todo o País, campanha salarial unificada e piso nacional. Em Minas Gerais, os metalúrgicos já unificaram suas lutas e enfrentam as empresas com mais força. A causa de fundo é que os preços dos produtos fabricados na indústria são nacionais, mas há muita discrepância salarial de região para região. Segundo o Dieese, um metalúrgico de São Paulo chega a receber três vezes mais que um metalúrgico de Roraima. Um trabalhador do setor automotivo recebe 79% a mais em São Paulo do que na Paraíba.

Portal Vermelho: A FITMETAL realizou em 2017 uma série de seminários sobre os desafios da indústria no Brasil. Entre os conferencistas, o que foi dito em comum para tirar o Brasil do buraco para começar a gerar empregos e em quanto tempo isso é possível?

Marcelino: Os debatedores do nosso ciclo foram unânimes na constatação de que, sem ação do Estado e sem política industrial, não haverá retomada do crescimento econômico e geração de empregos. Devido ao valor agregado de seus produtos, a indústria é o único setor capaz de impactar outros segmentos e dinamizar a economia como um todo. Além disso, do ponto de vista dos trabalhadores, é o segmento que mais gera postos de trabalho diretos e indiretos, além de ser a principal referência em emprego decente.
No “Manifesto da Categoria Metalúrgica”, lançado pela FITMETAL na semana passada, durante o Fórum Social Mundial, defendemos um detalhado programa em defesa do desenvolvimento do Brasil. Esse projeto pressupõe a mudança da política macroeconômica, o fortalecimento da infraestrutura nacional e o reforço do papel do Estado na economia. Para reindustrializar o País e estimular o setor produtivo, é necessário lançar uma política que inclua o fomento à indústria nacional, o incentivo ao setor automotivo e a transição à Revolução 4.0. Por ser uma política de médio e longo prazo, os resultados podem não ser imediatos – mas são garantidos e ajudarão a alavancar tanto o crescimento quanto o desenvolvimento nacional.

Colaborou André Cintra, assessor de imprensa da Fitmetal