Especialistas criticam MP que amplia privatização do saneamento básico

As investidas do governo golpista de Michel Temer (MDB) sobre os serviços de infraestrutura têm como um dos alvos atuais a rede de saneamento básico do país. Uma medida provisória (MP) ainda em fase de elaboração por parte do Executivo vem causando grande preocupação a segmentos populares e especialistas que atuam na área.

Saneamento básico - Arquivo Agência Brasil

O governo ainda não se pronunciou publicamente sobre o assunto, mas, no final do ano passado, durante uma reunião do Ministério das Cidades com entidades do setor, foi apresentada uma minuta voltada à mudança de regras na Lei 11.445/2007, conhecida como Lei Nacional do Saneamento Básico.

Um dos pontos de destaque da proposta diz respeito à Agência Nacional de Águas (ANA), que faz a gestão dos recursos hídricos do país. A ideia do governo seria transformar o órgão numa agência reguladora também voltada ao controle de tarifas de saneamento. Para a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), a medida favoreceria o avanço da iniciativa privada no setor.

A entidade assinala que, na histórica recente do Brasil, esse foi o trajeto seguido pelos setores de eletricidade e telefonia, que passaram a registrar aumento exponencial das tarifas e da precarização dos serviços.

“Toda vez que o Estado quer justificar a privatização de algum serviço ele cria uma agência reguladora pra passar a ideia de que a atividade vai ser feita pelo setor privado, mas com o devido controle do poder público e da sociedade, mas já sabemos que não é bem assim”, afirma o secretário de Saneamento da FNU, Fábio Giori.

O tema foi um dos destaques dos debates do Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) neste domingo (18), em Brasília. Na ocasião, o diretor da Associação Nacional dos Serviços de Saneamento (Assemae), Gabriel Alves, afirmou que a entidade acompanha com preocupação a discussão inicial sobre a MP.

Ele criticou a intenção do governo de alterar a legislação por meio de uma medida provisória. De iniciativa exclusiva do presidente da República, as medidas pro visórias devem ser utilizadas em casos de relevância e urgência. Apesar de precisarem ser votadas pelo Congresso Nacional para serem transformadas definitivamente em lei, elas têm validade imediata.

“A lei atual passou dez anos sendo discutida amplamente com a sociedade, e não é o que estamos vendo agora. Saneamento é algo diretamente ligado à saúde e à qualidade de vida das pessoas, por isso precisa ser debatido com todos”, defende Alves.

Governo

Na minuta produzida pelo Ministério das Cidades, o governo afirma que a proposta iria “aumentar a segurança jurídica no setor, melhorar a regulação e garantir sua sustentabilidade econômica, com intuito de estimular, ampliar e acelerar os investimentos”. A expectativa é de que a MP seja enviada ao Congresso ainda neste mês.

David Boys, secretário da Internacional de Serviços Públicos (ISP), entidade que reúne sindicatos de 150 países, destaca que um eventual avanço da iniciativa privada sobre o setor de saneamento faria o Brasil andar na contramão da tendência mundial.

Ele salienta que vários países do mundo têm vivido um processo de reestatização do serviço. É o caso da França, onde, na história recente, mais de 100 prefeituras aderiram à remunicipalização da gestão do saneamento.

David Boys ressalta que, em geral, as empresas públicas da área têm lucro médio de 5% ao ano, enquanto as privadas registram cerca de 20 a 25%. O secretário aponta que as companhias públicas têm histórico de investimento na capacitação dos funcionários e na prestação do serviço como um todo enquanto as outras assumem outro comportamento.

“Em geral, a iniciativa privada exporta os lucros, utiliza em outras atividades e também pra bancar os altos salários dos gestores. É uma lógica diferente de funcionamento, e esse modelo de um saneamento voltado pro lucro já demonstrou que está fracassado”, assinala.

O secretário frisa ainda que o direito universal à água e ao saneamento básico é garantido por diversos acordos internacionais assinados pelo Brasil. No entanto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o país ainda tem mais de 34 milhões de pessoas sem acesso à água tratada e mais de 100 milhões sem coleta de esgoto.

“O Brasil precisa construir um processo de resistência contra a privatização em todos os níveis para poder garantir os direitos da população. Temos que maximizar os direitos humanos, não os lucros”, finaliza.