Afrânio: Ataque de juíza contra Marielle "é ideológico"

A desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, utilizou a redes sociais para comentar a execução da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro. Sem provas, a magistrada acusou a vereadora de estar “engajada com bandidos”, que foi “eleita pelo Comando Vermelho” e que tem “certeza de que seu comportamento” foi “determinante para seu trágico fim”.

Por Dayane Santos

Afrânio Jardim - Reprodução

“A questão é que a tal Marielle não era apenas uma ‘lutadora’, ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores. Ela, mais do que qualquer outra pessoa ‘longe da favela’, sabe como são cobradas as dívidas pelos grupos entre os quais ela transacionava”, disse a desembargadora comentando a postagem feita pelo advogado Paulo Nader.

Por se tratar de uma desembargadora, seu comentário ganhou repercussão e diversas personalidades se manifestaram sobre o assunto condenando a conduta da magistrada.

O PSOL, legenda de Marielle, anunciou que irá entrar com uma representação contra a desembargadora no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de uma ação criminal por calúnia e difamação.

Com o dever profissional de conhecer e respeitar os princípios constitucionais, Marília disse ao jornal Folha de São Paulo que as informações nas quais ela se baseou para comentar o assunto foram obtidas num texto que teria sido compartilhado por uma amiga.

“Eu postei as informações que li no texto de uma amiga”, contou sem mencionar qualquer coisa sobre a legitimidade das acusações que trazidas à tona.

A desembargadora endossou a narrativa construída pela direita conservadora e facista, que busca desqualificar os que defendem os direitos humanos e denunciam abusos policiais. Marielle foi assassinada com quatro tiros na cabeça.

O governador do Maranhão e ex-juiz federal, Flávio Dino (PCdoB), defendeu o afastamento da desembargadora. “Sobre essa desembargadora do Rio, órgãos de controle têm o dever legal de esclarecer se ela pratica crimes ou se é inimputável. Em ambos os casos, não pode continuar a julgar outras pessoas”, afirmou o governador.

Para Afrânio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj, Marília cometeu crime de difamação. “Mas tudo vai depender considerações, de quem vai julgar, a respeito do dolo e valorização da prova. O direito não é uma ciência exata, mas em tese pelo que está dito, isso representa uma difamação que o Código Penal define com bastante precisão”, destacou.

Segundo Afrânio, o comentário da desembargadora “decorre de uma postura ideológica”. “As pessoas acabam ficando cegas por conta do radicalismo ideológico inconsequente. O radicalismo nem sempre é ruim. Pegar as coisas pela raiz não é uma ação de ódio nem inconsequente. Isso decorre evidentemente de uma postura ideológica que é predominante no Poder Judiciário e no Ministério Público. É por isso que estamos vendo políticos, pensadores, intelectuais professores e movimentos do campo da esquerda sendo atacados e perseguidos pelo Poder Judiciário. Lula é uma exemplo disso”, afirmou o jurista, que é procurador aposentado do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Ideologia e Judiciário

Afrânio salienta que colocar a questão ideológica no processo impede que o juiz tenha neutralidade. “Ele não tem parcialidade no sentido de estar do lado de uma parte, mas perde a neutralidade na medida em que ele, um ser cidadão que é político, tenha uma visão ideológica que acaba, consciente e inconscientemente, refletindo nas decisões”, reforça.

O jurista contou ainda que conhece a desembargadora. “Eu a conheci como defensora pública. Ele chegou a assistir algumas aulas minhas no mestrado da Uerj, mas abandonou”, disse.

Recentemente a magistrada e ex-presidente do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, disse em entrevista que a Lava Jato não vai chegar ao Poder Judiciário e que os advogados dos delatores aconselham seus clientes a poupar juízes na medida em que isso pode prejudicar o exercício da advocacia.

“Por isso que é importante a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), pois individualmente é complicado. Mas ela [OAB] se omite absurda e lamentavelmente”, destaca Afranio.

O jurista salienta ainda que o mesmo silêncio é percebido entre os juízes. “Os magistrados que defendem Sergio Moro, excessos de prisões, condução coercitiva indevida e ilegalidades, num caso desse [da desembargadora] parece que se omitiram”, afirmou.