Uma decisão que fez jus à palavra justiça

Em tempos de retrocesso no Brasil, pelo menos uma decisão tomada na última terça-feira faz jus à palavra justiça. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que mulheres grávidas, com filhos deficientes ou de até 12 anos, que estejam presas preventivamente, têm direito à prisão domiciliar.

Por Wadson Ribeiro*

Mãe com filho no Complexo Penitenciário de Bangu - Foto: Tânia Rêgo/Ag. Brasil

A decisão pode ter sido influenciada pela repercussão gerada na imprensa e nas redes sociais da prisão da grávida Jessica Monteiro, levada à cadeia com 39 semanas de gravidez e obrigada a retornar à cela com o filho recém-nascido.

O STF julgava uma ação proposta em maio de 2017 pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), com apoio da Defensoria Pública da União (DPU). A decisão deve beneficiar cerca de 10% do total de presas no país, segundo dados trazidos ao processo pelo IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). A sentença foi considerada histórica por alguns analistas, mas deveria ser uma prática constante da Justiça, já que a Constituição Brasileira consagrou como princípio máximo a dignidade da pessoa humana e estabeleceu como dever do Estado garantir à criança o direito à saúde, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar. E a situação em que estas mulheres e crianças estavam submetidas atenta diretamente contra todos os direitos acima mencionados.

Infelizmente, no Brasil ainda persiste a visão que aposta na punição em geral, e na pena de prisão em particular, como forma de solucionar os problemas mais complexos da sociedade. Essa escolha levou a segurança pública do país ao caos. São mais de 600 mil pessoas presas, sendo quase a metade aguardando julgamento, em prisão temporária. Já o número de vagas em presídios fica em torno de 370 mil, representando uma taxa de ocupação de 161%, segundo dados da IBCCrim. A superlotação expõe as pessoas custodiadas a condições degradantes e impede que sejam desenvolvidos programas de educação e profissionalização, tornando a ressocialização algo quase impossível. Além de propiciar rebeliões e o fortalecimento de facções criminosas dentro das unidades prisionais.

Apesar do esforço de setores progressistas para dotar o sistema jurídico-penal brasileiro de ferramentas mais eficazes, substituindo a prisão por penas restritivas de direitos e por medidas cautelares como, por exemplo, a monitoração eletrônica, a prática do encarceramento persiste no Judiciário. Para combater esta tradição, um conjunto de entidades de direitos humanos elaborou 16 propostas legislativas que equilibram as penas atribuídas aos crimes mais praticados pelos presos (crimes patrimoniais cometidos sem violência) estabelecendo critérios objetivos para a decretação da prisão cautelar. Entretanto, a tendência do nosso Congresso atual é a suspensão dos direitos humanos e o recrudescimento das penas, com a possibilidade de aprovação de leis que agravariam a crise do já caótico sistema penal e carcerário. Pode voltar à pauta, por exemplo, a proposta de redução da maioridade penal.

O mesmo Congresso que quer impor mais penas é o que reduz direitos, aprovando leis como a PEC do Congelamento dos Gastos Sociais, que compromete nosso desenvolvimento para os próximos 20 anos, principalmente na área educacional. Impossível não citar uma frase do antropólogo mineiro Darcy Ribeiro, constantemente repetida nos últimos dias. “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”.