Palestina, uma tragédia ignorada pela comunidade internacional

"A história é um movimento constante e a minha esperança é a de que a ocupação da Palestina chegue ao fim da mesma forma que o Apartheid foi derrotado na África do Sul. Mas isso não acontecerá sem a pressão internacional, o povo palestino clama por solidariedade".

Por Sandra Caballero*

Palestina - Foto: Sandra Caballero

Como um dos cinco filhos de um casal de trabalhadores, migrantes nordestinos, nunca imaginei que ao longo da minha vida faria viagens internacionais. Chegar a Praia Grande já era uma aventura suficiente.

Mesmo quando sonhava com um futuro diferente, me imaginava em roteiros clássicos, de cenários vistos em salas de cinema, das quais eu não saía durante a minha adolescência.

Mas a vida me levou a caminhos que me possibilitaram realizar algumas viagens locais e internacionais. O primeiro roteiro pouco usual para turistas brasileiros medianos foi a ilha de Cuba. E foi exatamente lá, em 2015, nas conversas com o meu primo Iglesias, que surgiu a ideia de conhecer a Palestina, para muito além dos tradicionais roteiros religiosos.

A realização desse projeto foi sem dúvida uma das mais incríveis experiências da minha vida. Ainda estou tentando organizar as ideias e processar tudo o que vi, senti e aprendi.

Ao mesmo tempo em que estou extremamente feliz por ter realizado um sonho, por outro lado voltei de lá muito impactada pela situação do povo palestino e pela constatação de que estamos diante de um lento genocídio ignorado pela comunidade internacional.

Na Cisjordânia não existe uma situação de guerra declarada, não há conflitos nas ruas, mas uma ocupação militar. As pessoas continuam a viver normalmente, levantam-se todos os dias, vão para a escola, trabalho, mesquitas, assistem TV, visitam a família. No entanto a presença ostensiva do exército de Israel, os check points, campos de refugiados e o muro de segregação denunciam a ausência de liberdade e a opressão vivida pela população. Israel controla mais de 80% das reservas de água da região e a população vive um eterno racionamento, enquanto as colônias judias têm água sem restrições.

O muro separa famílias, propriedades, impede a livre circulação de palestinos de uma cidade a outra, dificultando a obtenção de trabalho e estudo. A tensão e humilhação diárias de atravessar check points é de uma violência sutil, mas perversa. Há uma fragilidade imensa diante da possibilidade de sofrer algum tipo de violência física e psicológica por parte de soldados extremamente jovens e fortemente armados. Manter a cabeça erguida, já é um ato de resistência.
Nenhum livro que eu tenha lido, palestras e filmes assistidos me prepararam para o que eu vi. A sensação é de sufocamento. Os assentamentos ilegais de judeus ortodoxos estão por toda a parte e é como se dissessem à população local: “seu tempo acabou, vocês não têm futuro”.

Esse quadro de impotência leva a completa desilusão entre os palestinos, principalmente os jovens, que não tem uma perspectiva de futuro. Depois da morte de Yasser Arafat ficaram órfãos de lideranças. O atual governo é visto como fraco, incapaz de se opor aos sionistas e de aglutinar apoio internacional, ao mesmo tempo em que as denúncias de corrupção e os precários serviços públicos, minam a confiança da população.

Os jovens sonham em sair do país, um rapaz que conheci me pediu para arrumar uma esposa brasileira para ele, e não era brincadeira. A angustia que transmitiu quando me falou sobre o desejo de sair da Cisjordânia foi devastadora.

Além das questões políticas, um problema sério é a falta de opção de lazer. Não há teatros ou cinemas, apenas algumas quadras, eles amam o futebol brasileiro. Para os homens, a única alternativa é frequentar os cafés e fumar. Eles fumam muito, e todos afirmam que isso se deve ao nível de estresses a que estão expostos.

Nos primeiros dias fiquei hospedada na casa de uma família de cristãos ortodoxos em Beit Sahour e duas coisas me chamaram a atenção: a família evitava falar de política. Quando perguntei sobre a decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, responderam que isso não mudava em nada a vida deles. No entanto, Daniele, a jovem filha dos meus anfitriões, terminou o curso de Turismo, está desempregada e sem ter permissão de trabalho em Israel, dificilmente conseguirá emprego na área. Em duas noites eles receberam peregrinos cristãos para o jantar, que estavam em Belém fazendo estudos bíblicos. Conheci senhoras e jovens dos EUA e Austrália, nenhuma delas tinha qualquer conhecimento sobre a situação politica da Palestina. Quando uma das convidadas tentou perguntar algo a respeito, as outras cortaram o assunto, dizendo que não estavam ali para falar de problemas. Fiquei chocada com o alto grau de alienação e egoísmo, estavam lá em nome de “Deus”, mas fecham os olhos para o sofrimento de seus semelhantes. Não é preciso dizer que achavam que eu falava espanhol.

Nos últimos dias fiquei em uma vila de agricultores, Beit Ummar, hospedada no albergue de Mousa Maria, membro da organização PSP (Palestine Solidarity Project). Essa ONG desenvolve projetos comunitários, além da luta pelo fim da ocupação e criação do Estado da Palestina.
Mousa passou 7 anos dos seus 39 de vida nas prisões israelenses, mesmo sendo um líder pacifista. Hoje tenta viabilizar a construção de um centro de cultura e lazer para as crianças da região e de um mercado para a venda de produtos dos agricultores locais. A esperança está nessas jovens lideranças que continuam lutando apesar de todas as adversidades.

Como disse para alguns palestinos com quem conversei, a história é um movimento constante e a minha esperança é a de que a ocupação da Palestina chegue ao fim da mesma forma que o Apartheid foi derrotado na África do Sul. Mas isso não acontecerá sem a pressão internacional, o povo palestino clama por solidariedade.