Lula: O que está em julgamento é o jeito em que nós tratamos este país

O ex-presidente Lula falou para a imprensa internacional sobre o julgamento que ocorrerá no próximo dia 24 no (TRF4). Os desembargadores decidirão se mantêm ou não a condenação de Lula pelo juiz Sergio Moro a nove anos e meio de prisão. O ex-presidente espera um julgamento com base em provas e afirma que Moro fez um julgamento político. Para ele, o que está em jogo é a democracia e o avanços que o Brasil viveu durante o período em que ele e Dilma Rousseff governaram o país.

Lula - Foto: Toni Pires/El Pais

A seis dias antes de decisivo julgamento em Porto Alegre, ex-presidente rejeita acusações e promete recorrer, caso condenado, para seguir sendo candidato ao Planalto de novo. Lula diz que não conhece “a palavra desistir” porque uma das coisas que lhe ensinou sua mãe foi que é preciso “teimar sempre”. “Eu estou muito motivado, e uma das coisas da minha motivação é a minha honra”, comenta. “Eu acho que essas pessoas que estão lidando com o meu processo não me conhecem direito. Se me conhecessem, não teriam a coragem e a desfaçatez de dizer que eu sou ladrão. Como eu tenho orgulho de tudo o que eu fiz, eu quero que um dia eles peçam desculpas para mim. Ou peçam desculpas para o povo brasileiro”. O ex-presidente reafirma que o processo não tem fatos contra ele, que ninguém conseguiu provar que o tríplex do Guarujá seja dele.

Leia abaixo trechos da entrevista ao jornal espanhol El Pais, realizada por Xosé Hermida.

El Pais – Por que defende que o único motivo do processo é político?

Lula – Tudo começou com uma mentira, uma matéria no jornal O Globo que falava que o apartamento era meu. A partir de aí, houve pedido do Ministério Público (Federal, MPF) para que a Policia Federal fizesse o inquérito, e a policia fez um inquérito mentiroso. Mas o MP aceitou o inquérito tal como ele estava e fez uma acusação mentirosa. E o que é mais grave: o juiz Moro aceitou. A aceitação tal como ela foi me faz supor que estamos diante de um processo mais político do que jurídico. Quando o MP apresentou a denúncia, ele apresentou à opinião pública um power point e lá, sem nenhuma prova, fala do PT como uma organização criminosa, que o PT nasceu, cresceu, ganhou o governo, para roubar ao Brasil. Essa é nave mãe da denúncia. E isso tem 90% de interesse político e 10% de interesse jurídico. Eu não posso julgar o que vai decidir o tribunal porque eu não conheço nenhum juiz. A única coisa que eu espero é que eles tenham lido o processo e com base nisso eles decidam respeitando o Código Penal e a Constituição. Quando uma pessoa é acusada, espera-se que a acusação apresente provas materiais de que é dono de um apartamento. Porque eu não posso ser dono de nada sem que apresentem uma documentação com prova de pagamento, de aquisição… alguma prova de que é meu. Se o objetivo deles é político, se eles querem me tirar de uma possível disputa, seria até prudente apresentar a prova porque eu ficaria totalmente desmoralizado diante do povo brasileiro. Teriam que apresentar um documento, uma assinatura, para dizer: 'Não, o Lula está mentindo'. E por isso que eu sou obrigado a dizer que eles estão mentindo, e que o processo tem um forte componente político, às vezes até com uma mistura de ódio.

Se for condenado, continuaria com a sua campanha ou desistiria?

Na minha vida eu não conheço a palavra desistir e não faço uso dela. Eu estou convencido de que o povo brasileiro tem consciência de que este país pode voltar a crescer, pode gerar emprego, pode dar certo… de que o Brasil pode deixar de ser tratado como se fosse o país do futuro. Faz 500 anos que nós temos país do futuro. Nós provamos em 12 anos que o país do futuro na verdade aconteceu. Vamos tentar mostrar isso para a sociedade brasileira.

Então, aconteça o que o acontecer em Porto Alegre, o senhor vai continuar lutando até o final para chegar à eleição?

Vou continuar lutando porque eu quero viver até os 120 anos… para estar forte, para estar bem de saúde, para estar de bom humor… O dia 24 para mim não é o dia D, é o dia 24, é um julgamento. Eu tenho mais nove ou dez processos. Em algum desses processos o que está em julgamento não é o Lula, é um governo, é o jeito em que nós tratamos este país. Eu não estou brigando para ser candidato, estou brigando para provar minha inocência. Eu não quero ser candidato para não ser condenado, eu quero ser inocentado para ser candidato. Eu vou continuar viajando no Brasil, apresentando as minhas provas, falando de política, e se o PT quiser que eu seja candidato, eu serei candidato. Se a Justiça quiser impugnar, é outro problema, vai ter processo, vai ter recurso… Mas eu não deixarei de conversar com o povo brasileiro. Esse é o meu destino.

E o senhor concorda com os dirigentes do PT que falam que a eleição sem o Lula seria fraude?

Nós já tivemos tantas eleições sem Lula… O problema não é o Lula. O problema é a democracia. Criar um processo jurídico para evitar que alguém seja candidato é pouco democrático. Não é o PT que está dizendo que a eleição sem mim é fraude, é uma campanha que envolve vários partidos, que envolve o movimento social… Se o Lula for proibido de ser candidato por uma decisão política do judiciário, obviamente está se montando uma fraude. Por que é que o Lula está sendo impedido? Se eu tivesse 1% da pesquisa ninguém queria me impedir, o povo impediria. Eu vou tentar que o povo seja o grande júri da democracia neste país. Por isso é que eu não posso desistir. Minha mãe dizia: “Teimar sempre, teimar sempre”.

Não acha que dá a imagem de que se sente além da Justiça?

Não, pelo contrário. Se eu não acreditasse na Justiça, não seria democrata, é a minha crença na força da democracia que me faz acreditar na Justiça. Mas a Justiça deve ter um comportamento apolítico, ela deve atuar pela Constituição, não pela convicção. Quando um cidadão inventa a teoria de que ‘eu não tenho prova, mas tenho convicção’, significa que essa gente não precisa de prova para condenar. E eu não posso aceitar isso. Eu me sinto como os 210 milhões de brasileiros, não me sinto acima de ninguém, mas também não abaixo de ninguém. Eu só digo que o eu quero é o que o processo diz. Se os juízes julgarem de acordo com os atos do processo, eu não tenho dúvida nenhuma que eu teria que ter 3×0 a meu favor. Eu acredito que neste momento estão lendo o processo, estão vendo prova e vão julgar com base nisso

Nas ruas do Brasil se sente muito ódio e em alguns setores muito ódio contra o senhor? De onde vem isso?

Eu não sei responder, deveriam dizer as pessoas que têm esse ódio. Eu perdi três eleições e nunca instiguei à sociedade a duvidar do resultado. E quando eu deixei o governo eu tinha uma aprovação do 87%. Os meus opositores acharam que eu ia fracassar porque não estava preparado. Mas aconteceu exatamente o contrário: nós conseguimos crescimento econômico com distribuição de renda. Nós fizemos alguma coisa que eu penso que acabou criando um certo ódio: a ascensão de uma parcela significativa das pessoas mais pobres, 36 milhões de pessoas saíram da pobreza, nós transformamos essas pessoas em cidadãos. Tudo o que até então era exclusivo de 35% da população passou a ser de todos. Eu acho que essa é a razão pela qual uma parcela da sociedade, que não sabe dividir os espaços públicos, que não acredita em democracia nem em alternância de poder, criou um ódio que foi consagrado na campanha de 2014. O candidato derrotado [Aécio Neves, do PSDB] estabeleceu uma política de ódio como jamais eu vi. E não acatou o resultado. Eu agora exatamente vou ser candidato para desfazer esse clima de ódio. Eu acho que os meus acusadores hoje estão mais preocupados do que eu. Porque eu estou com a tranquilidade dos inocentes. Eles estão com a culpabilidade dos mentirosos. Eles sabem que mentiram. Os que me acusaram sabem que um dia um filho dele vai acordar e vai perguntar: 'Pai, o que você mentiu com relação ao Lula'. E quando isso acontecer, eles vão ter dificuldade para explicar. Inclusive alguns jornalistas, sobretudo da Rede Globo. Por que mentiram tanto durante tanto tempo, por que tentaram destruir o PT desde 2005, por que fizeram isso com a Dilma com uma acusação falsa.