Enquanto Temer prega privatização, britânicos querem reestatizar

Enquanto o Brasil atrasa seu relógio histórico e volta ao tempo das privatizações, o restante do mundo já percebeu a importância do controle estatal de serviços essenciais. Um exemplo é o Reino Unido, laboratório do neoliberalismo, que agora rejeita a entrega de suas empresas à iniciativa privada. É o que mostram pesquisas recentes.

contra a privatização no Reino Unido

O Reino Unido de Margaret Thatcher foi, logo depois do Chile de Pinochet, um dos primeiros países a adotar uma política de privatizações, que atingiu setores como água, gás, eletricidade, transporte ferroviário e telecomunicações.

Ocorre que as promessas de competição, custos reduzidos e serviços melhores nunca se concretizaram. Ao invés disso, os setores antes sob responsabilidade do Estado mundo afora têm sido dominados por monopólios privados, subsídios injustos, preços abusivos e investimentos muito abaixo do necessário, que comprometem a qualidade. Mais: trabalhadores tiveram seus salários achatados e suas condições de trabalho agravadas.

Um artigo publicado no The Guardian, assinado por Will Hutton, diretor do Big Innvation Centre, traduz a insatisfação dos britânicos em números: 83% são a favor da nacionalização da água, 77% da eletricidade e do gás e 76% do transporte ferroviário. “Há uma visão generalizada de que as metas de lucro exigidas pelos acionistas anularam obrigações de serviço público. E o público está certo”, diz o texto.

Como exemplo, o artigo cita a companhia de abastecimento e tratamento de água que atende a Grande Londres, a Thames Water, agora do capital privado. A companhia acumula enormes dívidas por distribuir dividendos excessivos aos seus acionistas, por meio de uma holding no Luxemburgo, um movimento destinado a minimizar as obrigações fiscais do Reino Unido.

“Segundo dados destacados no relatório Cuttill, com as taxas de investimentos atuais, a Thames levará 357 anos para renovar a rede de água de Londres, enquanto o Japão leva 10 anos”, compara o texto no periódico britânico.

Não à tôa o discurso da renacionalização encampado pelo trabalhista Jeremy Corbyn, líder da oposição na Câmara dos Comuns, ganhou tanta popularidade.

“As indústrias privatizadas não apenas falharam em servir com eficiência, valor pelo dinheiro investido, responsabilidade e trabalhos seguros. Elas também sugaram riquezas, e o estilo rentista de monopólios incumbentes concentraram a tomada de decisão sobre Economia cada vez em menos mãos, aprofundaram a desigualdade de renda, e falharam em realizar investimentos essenciais para o crescimento sustentável”, afirmava Seumas Milne, no The Guardian já em 2014. Parece que de lá para cá, os problemas se acumularam.

Brasil na contramão

Na contramão do mundo, o Brasil de Michel Temer quer privatizar tardiamente serviços essenciais, algo que os demais países já viram que não vale à pena. É o caso da decisão de vender a Eletrobras e ativos importantes da Petrobras.

No restante do planeta, os serviços de distribuição de energia elétrica, por exemplo, são majoritariamente estatais e com capital de origem nacional, um setor, aliás, tratado como de segurança nacional.

Uma reportagem de 2012, da London Review of Books, já questionava a privatização da indústria estatal de eletricidade do Reino Unido, alertando justamente para o fato de que Margaret Thatcher, na prática, abriu mão da soberania energética. Se prometia menos Estado, a rainha do neoliberalismo terminou por colocar o fornecimento de energia para toda a região da Grande Londres nas mãos de uma estatal… só que francesa.

"Dos Estados Unidos e América Latina ao Oeste Europeu e ao redor do mundo, serviços públicos privatizados, utilidades e recursos têm sido trazidos de volta à propriedade pública. Na última década, em 86 cidades, a água voltou a ser propriedade pública. Apenas na Alemanha, mais de 100 concessionárias de energia retornaram à posse pública, desde a crise de 2007 e 2008", citava Seumas Milne, em 2014. 

Novo tipo de empresa?

Diante da insatisfação popular com as companhias privadas, o artigo de Will Hutton no The Guardian mostra que a reestatização das empresas britânicas custaria ao governo do Reino Unido algo em torno de 170 bilhões de libras. O texto, contudo, aponta que, de volta ao poder público, elas estariam sujeitas aos limites do empréstimo do Tesouro e aos cortes orçamentários que predominam em tempos de austeridade a qualquer custo.

O Big Innvation Centre, dirigido por Hutton, criou um modelo de contrato, pelo qual que a Grã-Bretanha conseguiria retomar o controle das empresas sem gastar um centavo. Isso seria possível com uma nova categoria de companhia: a empresa de benefício público, que promete tudo aquilo que as privatizações de outrora também prometiam, ele explica. 

A ideia de Hutton é que esse novo tipo de companhia escreva em sua constituição que seu objetivo é a prestação do benefício público, ao qual a lucratividade é subordinada.

“O propósito de uma empresa de água seria entregar a melhor água o mais barato possível e não retirar dividendos excessivos através de um paraíso fiscal. O próximo passo seria estabelecer uma fundação para cada empresa de utilidade privatizada como condição para obter licença de operação, exigindo que seja incorporada como uma empresa de benefícios públicos”, detalha.

Os acionistas que existem hoje permaneceriam acionistas, mas se não cumprissem a principal função da empresa de benefício público, sofreriam sanções. "Se as empresas não entregarem o que prometem, deve haver um sistema bem definido de penas escalonadas, começando com o direito de processar empresas e terminando com a tomada de todos os bens em propriedade pública se negligenciar persistentemente suas obrigações".

Nesse último caso, a tomada dos bens pelo Estado teria custo reduzido, isso porque os papéis seriam derrubados no mercado porque ficaria comprovado que houve administração ilegal.

Uma alternativa no sentido de reverter um caminho que não deu certo e que o atual governo brasileiro insiste em trilhar.