No julgamento de Lula, ressurgirá a “Cadeia da Legalidade”

Cinquenta e sete anos depois, no próximo dia 24, quando estará em jogo a inocência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Porto Alegre repetirá uma iniciativa muito bem sucedida com a qual o ex-governador Leonel de Moura Brizola (1922-2004), em agosto de 1961, evitou o golpe militar que impediria a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros: criou a Cadeia da Legalidade.

Por Marcelo Auler*, em seu blog

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A partir da requisição dos transmissores da Rádio Guaíba, o então governador comandou, do Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul, a resistência à posição dos ministros militares que tentaram impedir a posse de João Goulart. Por meio da transmissão em ondas curtas e médias, Brizola acabou sendo ouvido em todo o pais, uma vez que diversas rádios retransmitiam seu discurso. Com isso, aumentou a mobilização nacional o que ajudou a garantir a posse do vice-presidente, evitando o golpe militar que acabaria sendo dado três anos depois.

A Cadeia da Legalidade criada por Brizola serviu como modelo para a Rádio Democracia que está sendo montada, especificamente para noticiar tudo o que acontecer em Porto Alegre – mas não apenas lá – durante o julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) do recurso à sentença que condenou Lula a 9 anos e meio de prisão. Até a tarde desta terça-feira (09/01) já estavam cadastradas para retransmitir o conteúdo que for gerado nada menos do que 270 emissoras entre Rádios Comunitárias, Rádios Livres, Rádios Educativas e Rádios Estatais. O número não inclui as rádios Web e tende a subir – na segunda-feira eram 207.

A ideia surgiu no Movimento Nacional de Rádios Comunitárias que tenta organizar os interesses dos quase um milhão de comunicadores que atuam em rádios comunitárias, livres e da Web, como explicou Jerry de Oliveira, há 20 anos lidando com este nicho de comunicação.

É uma forma de se opor ao noticiário da mídia que apoiou o golpe, notadamente o Grupo RBS que domina cadeias de rádio (15 no total) e TVs (12 emissoras, todas afiliadas à Rede Globo) no sul do país. Mas não apenas ele. Será um contraponto a toda a mídia em geral. Uma garantia da informação para o povo brasileiro, como definiu Oliveira.

“Nós sempre formamos redes de rádios em eventos e manifestações desse tipo. Mas esta tomou uma dimensão maior por uma questão histórica, que se dá repetindo a iniciativa de Brizola em 1961“, afirma Oliveira, que ajuda a coordenar a composição da Rádio Democracia.

Segundo ele, a motivação entre a Cadeia da Legalidade e a Rádio Democracia é idêntica:

“Brizola fez uma luta incessante para garantir a democracia com a posse do Jango. Brizola encarou as forças conservadoras e reacionárias do país que queriam o golpe. Lula é a mesma coisa. Está encarando as elites e as forças mais conservadoras do país para garantir a democracia.

Nossa luta não é apenas pelo seu direito de concorrer, mas pela consequência que teremos de entregar toda a regra democrática duramente construída pós-ditadura a pessoas que não são representantes do povo, como Gilmar Mendes, por exemplo.

A democracia foi duramente reconstruída pós-ditadura e agora está retrocedendo no mesmo processo de golpe das elites, só que desta vez com o Poder Judiciário, onde há uma composição que a sociedade não interfere, não participa da escolha. É uma entrega do poder a um grupo da casta das elites que a sociedade não tem poder de interferir”.

As transmissões da Rádio Democracia inicialmente devem começar no próprio dia 24, às 05H00. Mas há uma negociação para se antecipar isso, o que ainda não foi definido. O endereço na web, a partir de 5ª feira (11/01) será www.radiodemocracia.net.br.

Para fazerem as transmissões não apenas do que acontecerá em Porto Alegre – “aonde tiver manifestação em defesa da democracia e do Lula teremos um correspondente“, promete Oliveira – já estavam inscritos até esta terça-feira 60 repórteres voluntários em Porto Alegre e outros 120 no restante do país.

“A comunicação será horizontal“, explicou Oliveira, detalhando: “queremos garantir a manifestação do povo em defesa da democracia“.