Tainan Rocha, de uma quebrada de Barueri a finalista do Jabuti

“De uma quebrada de Barueri” a finalista do Jabuti, é mais ou menos assim que o Tainan Rocha se apresenta – o Jabuti é por minha conta – porque ele é uma dessas pessoas que esbarramos no metrô diariamente. A diferença é que transforma essa dureza do cotidiano em ilustrações inspiradas no dia-a-dia da gente comum, como eu e você, e ele.

Por Mariana Serafini

Tainan Rocha - Arquivo pessoal

Há pouco mais de dois meses, o Vermelho ganhou um reforço no time de colunistas, o doutor em América Latina Alexandre Ganan Brites Figueiredo. Com os textos dele, chegaram ilustrações que chamaram a atenção dos leitores, e da redação. Por isso, tratamos de conhecer o responsável por estes desenhos que trazem cor ao nosso dia-a-dia.

Sempre com um sorriso no rosto e disposto a encarar um novo desafio, a fazer um desenho sobre algo que ele não domina, o Tainan topou também conversar com o Vermelho. Ele nos conta como se tornou ilustrador, quais são suas referências, inspirações e os desafios da profissão no Brasil.


Ilustração de uma das colunas do Vermelho 

Segundo ele, com os amigos conheceu o rap, no espaço cultural do bairro, o grafite. Tinha tudo para ter se embrenhado no Hip Hop, mas decidiu se dedicar à ilustração e aos quadrinhos e o resultado tem sido cada dia mais surpreendente.

Tainan é quadrinhista, estudou e agora leciona na Quanta Academia de Artes e se consolidou na carreira a partir da HQ “Imagine Zumbis na Copa” (ed. Giz), com roteiro do de Felipe Castilho. De lá pra cá ele desenvolveu inúmeros projetos e neste ano foi um dos finalistas do prêmio Jabuti com o álbum “Savana De Pedra” (ed. Astral).

Leia a entrevista na íntegra:

Primeiro, quero te parabenizar pelas ilustrações tão bonitas que têm dado cor e ainda mais sentido ao Vermelho. Como tem sido pra você, criar a partir de temas políticos?

Poxa, agradeço muito. Tem sido uma honra poder colaborar e principalmente, um baita de um desafio, viu! Apesar de trabalhar com um parceiro bom igual o Alexandre [Alexandre Ganan Brites Figueiredo, colunista do Vermelho], ainda assim estamos tratando de temas que exigem mais seriedade, e isso complica um pouco o processo. Aí eu ainda arrumo pra cabeça tentando fugir da obviedade, com um certo receio de soar piegas etc. Não sei se tenho conseguido, mas acredito que sim (risos).

Quem é o Tainan Rocha? Como você se interessou por ilustração e começou a desenhar?

Olha a armadilha pro Ego aí… (risos). Sinto um certo orgulho sempre que eu tenho a oportunidade de falar que sou um cara simples, originário de uma quebrada de Barueri. Cresci rodeado de uma cultura mais simplória e de certa forma pura. Desde bem cedo, fui envolvido por muita arte. Eu curtia copiar os desenhos dos gibis e livros que eu tinha acesso, e que me ajudaram na hora de aprender a ler e escrever. E também sempre teve bastante música em casa e na escola. Principalmente o Rap – que me levou ao grafite. Mas curiosamente lá na associação cultural que eu frequentava, foi onde descobri que, infelizmente, não levava muito jeito pras "tags" etc.

Aí me indicaram esquecer os muros e investir mais nos quadrinhos.

Recentemente você foi um dos finalistas do Prêmio Jabuti, o que isso representa para sua carreira?

Foi bem curioso, na verdade. Primeiro porque, sem falsa modéstia, eu realmente não esperava. E segundo, porque foi uma obra até meio desacreditada, inclusive por uma parte da editora que resolveu não assinar a capa, uma vez que a gente tocava num tema tão delicado como as ocupações nas escolas etc.

Agora, o que a indicação traz de mais interessante acaba sendo uma certa credibilidade e "respeito" no próprio meio, sabe? É uma espécie de "selo de conforto", algo do tipo "bom, tô indo na direção certa".

Mas na real, nada além disso. Lógico que é sempre bom ser indicado e ainda mais ganhar um prêmio (o que não foi o caso dessa vez), é como fazer um gol né. Mas no fim, a gente comemora e pronto. Não tem muita necessidade de tirar a camisa e sair girando ela pelo campo, certo?

Quem te inspira? Quais são suas referências?

Gente de verdade me inspira. Do dia-a-dia mesmo, sabe? Agora referências… vixe… tenho muitas, mas muitas mesmo! Se fosse pra resumir bem, diria que a Quanta Academia de Artes como um todo. O Marcelo Campos, o Weberson Santiago, o Roger Cruz, o André Diniz, o Lourenço Mutarelli, os meus pais (que também são artistas). Aí tem aqueles mais "distantes", que vão desde do Ralph Steadman, o Ashley Wood até sei lá… a Frida e o Picasso!

Como é ser ilustrador no Brasil?

A mais crua verdade é que grande parte de nós mantém outros empregos como professor etc, e isso ajuda muito a manter a carreira, entre outros objetivos pessoais. Nos últimos anos tenho atuado mais como quadrinhista do que ilustrador. De qualquer forma, não é nem um pouco fácil. Mas se você souber se organizar (inclusive financeiramente) e for honesto com os clientes, com o prazo, com a qualidade do seu trabalho e possuir uma certa sorte e tal… dá tudo certo no fim do mês.

Enquanto ilustrador, agora que você cria também a partir de temas políticos, você acredita que ilustradores devem se posicionar politicamente diante das tentativas de censura à arte que vem acontecendo no Brasil?

Olha, acho essa uma questão bem delicada… porque a arte é um bicho solto, livre e mutante né. E aí tem de tudo… tem quem viva um discurso de fazer apenas pra si próprio, tem o perfil mais vendedor, que produz exclusivamente mirando um nicho específico e tentando tirar proveito não só financeiro disso o tempo todo. Mas o fato é que cada um pode fazer aquilo que quiser, aquilo com o que se sente mais confortável. No final das contas, o ilustrador que resolve se abster dessa levada mais política não está errado. Até porque essa também é uma postura política. E se tem um lugar onde não existe certo ou errado é na arte.

Como você se posiciona?

Particularmente, acho que quando a gente se vê e também leva tudo ao nosso redor tão à sério, é complicado. Fica pesado demais. Tem que ter leveza, bom humor e tal. Eu vejo que hoje existe esse infeliz retrocesso e retorno de uma ditadura atual. E muito por conta disso, cada vez mais, a ideia é seguir tentado usar a ferramenta que tenho, literalmente, às mãos pra tentar fazer a minha parte, por menor e até insignificante que ela possa ser no saldo final.

Veja a galeria de ilustrações: 


Ilustrações de Tainan Rocha