Sem Bachelet, não haverá mais presidentas nas Américas

Eram outros tempos, aqueles: na Cúpula das Mulheres de 2015, em Nova York, a então secretária de Estado americana, Hillary Clinton, se deleitava com a popularidade, cercada de ativistas dos direitos femininos, empresárias e políticas.

Michelle Bachelet - Agência Uno

Na época, o establishment político do continente americano atravessava uma revolução emancipatória. No Brasil, Dilma Rousseff fora reeleita presidenta. Na Argentina, Cristina Fernández de Kirchner governava há oito anos. E no Chile, a ex-combatente da ditadura Michelle Bachelet inaugurava seu segundo mandato presidencial.

O clichê da América Latina como terra de machões parecia estar desbancado. O número de líderes femininas na economia e política crescia, as leis a favor da equiparação dos gêneros e contra a violência doméstica avançavam.

Também nos Estados Unidos, o clima era de renovação. Parecia ter chegado a hora de uma mulher ocupar a Casa Branca. Hillary Clinton estava disposta a entrar para a história como primeira presidenta americana, e se candidatou para suceder ao também democrata Barack Obama.

No entanto o voo emancipatório acabou em aterrissagem forçada. Em agosto de 2016, Dilma foi destituída do cargo. Cristina Kirchner responde na Justiça por acusações de corrupção. E, como se sabe, em 8 de novembro Hillary Clinton viveu uma amarga derrota.

Também os dias de Bachelet como presidenta estão contados. Nas eleições, neste domingo (19), ela não concorre mais. O favorito é seu antecessor conservador, Sebastián Piñera, da aliança de centro-direita Chile Vamos, que governou o país de 2010 a 2014.

Em artigo para o New York Times, a cientista política Farida Jalalzai, da Universidade de Missouri-St. Louis, diagnostica: as Américas correm o risco de dar uma "cambalhota para trás". "A questão é não perder o poder. Quando as mulheres se queixam de discriminação, os homens rebatem que elas estão usando a 'carta do gênero'."

Certo é que, salvo mudanças, após o fim do mandato de Michelle Bachelet, em março próximo, não haverá mais nenhuma presidenta no continente. Tampouco há como ignorar os primeiros sinais de uma retração da presença feminina nos cargos políticos: no Brasil, entre os 28 membros do gabinete do presidente Michel Temer, apenas três são mulheres.

A ex-presidenta Dilma atribui a própria deposição também à misoginia e sexismo. "Eles me acusaram de ser dura e brusca demais. Nos homens, essas características seriam consideradas positivas, ou seja, como forte e firme", comentou ao New York Times, complementando: quando mulheres mostram sentimentos, isso é interpretado como fraqueza, nos homens, por sua vez, fala-se de sensibilidade.

Também a ex-candidata americana Hillary Clinton se sente discriminada como mulher. Em seu livro What happened (O que aconteceu), lançado em setembro, ela desabafa: "Tenho a suspeita que para muitos ainda parece longínquo imaginar uma mulher na Casa Branca. Uma voz feminina estridente simplesmente destoa na corrida política."

Mas mesmo que a participação feminina na política das Américas tenha sido brecada, não há como contê-la. A parcela de mulheres nos parlamentos do mundo cresceu de 11% para 23%, entre 1997 e 2017, e o continente americano está na média internacional.

Ainda assim, a emancipação se arrasta em passo de tartaruga ao longo das décadas. Analistas calculam que sejam necessários outros 50 anos até a representação parlamentar das mulheres ser proporcional a sua percentagem na população.

A presidenta Michelle Bachelet se recorda das grandes expectativas, sobretudo entre as mulheres, quando em 2006 ela foi eleita como primeira chefe de Estado do Chile: "Depois de um evento de campanha, uma mulher veio até mim e disse: 'Se você for eleita, o meu marido nunca mais vai me bater'."