Economista vê erro de diagnóstico e estratégia na política de Temer

“Medidas de ajuste no sentido tradicional só têm enfraquecido a atividade produtiva, deteriorando ainda mais o quadro das contas públicas. A questão fiscal só se resolverá de fato quando houver uma retomada da economia”, diz o economista Antônio Corrêa de Lacerda. Em artigo na Folha de S. Paulo, ele aponta “falha de diagnóstico e de estratégia” na política econômica. Em oposição às medidas de Michel Temer, ele defende expandir o investimento público e acelerar a queda da taxa de juros reais.

Antonio Correa Lacerda

Para Lacerda, que é e professor da PUC-SP e foi homenageado com o prêmio ‘Personalidade econômica do ano’ pelo Conselho Federal de Economia, o quadro fiscal do país continua preocupante. Apesar de a arrecadação de agosto ter apresentado crescimento, no acumulado de 12 meses até julho, o déficit primário atingiu R$ 170,5 bilhões, ou 2,7% do PIB.

Ao mencionar a meta de déficit fiscal, fixada pelo governo em R$159 bilhões – após revisão para cima –, ele ressaltou que a opção escolhida para tentar equilibrar as contas tem sido sempre a de cortar gastos. “Diante da dificuldade e mesmo da impossibilidade em fazê-lo, a diminuição de dispêndios tem se dado com ênfase em investimentos. E, em paralelo, busca-se ampliar a receita via elevação de alíquotas tributárias e ou criação de tributos”, diz.

Segundo ele, as tentativas de “ajuste”, não têm alcançado o resultado esperado, por causa da crise que vem desde o final de 2014. O PIB brasileiro caiu 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016, acumulando uma queda de 7,2%. Para 2017, o cenário provável é de estagnação, aponta.

“No mesmo período houve uma queda acumulada nos investimentos totais, públicos e privados, da ordem de 28%! Nível de atividade e investimentos em queda significam arrecadação menor, não só porque empresas faturam menos e indivíduos têm sua parcela de contribuição reduzida pela queda da renda e aumento do desemprego. Na crise aumenta também a inadimplência no pagamento de impostos”, indica.

Nesse sentido, ele afirma que as tentativas de ajuste, portanto, não se realizam. Lacerda avalia que trata-se de uma estratégia “autofágica”, que acarreta cada vez mais problemas.
“A aposta em que o discurso de ajuste, reformas e a sinalização de medidas liberais pudessem resgatar a confiança e, com isso, a realização de investimentos e produção não tem dado resultado”, analisa.

Para ele, as medidas tomadas até então pelo governo não refletem um ambiente promissor para estimular a produção, o consumo e os investimentos. “Ninguém toma decisões nessa esfera só porque adquire mais confiança na economia. Embora essa possa ser uma condição necessária, é insuficiente para permitir a retomada”, opina.

Na sua avaliação, é preciso mudar a política econômica para incentivar as atividades. O economista defende então que é preciso rever o posicionamento em relação ao papel do Estado e aos investimentos públicos. A gestão Temer tem se empenhado em reduzir o tamanho do Estado e, como mencionado, tem promovido cortes drásticos nos investimentos.

“Num quadro de crise, os investimentos públicos, como o papel do Estado de forma geral, devem ser anticíclicos, ou seja, contrapor-se à restrição de gastos das empresas e famílias. Ao contrário do discurso do governo utilizado como argumento para aprovar, no final de 2016, a Emenda Constitucional 95, que fixou um teto para os gastos públicos, o Estado não pode agir como uma empresa ou família porque tem obrigações que lhe são próprias”, ressalta.

Além disso, o professor afirma é preciso criar condições favoráveis a investimento, produção e consumo privados. “Isso passa por adotar medidas estimuladoras. Adicionalmente à aceleração da queda da taxa de juros reais, é importante fazer com que estas se reflitam na queda da taxa de juros no crédito às empresas e às pessoas físicas, entre outras ações”, encerra.

Em entrevista à Record News no último dia 2, o economista tece críticas às reformas levadas adiante pelo governo. Para ele, há pouca discussão sobre os projetos. “As reformas estão sendo empurradas goela abaixo sem discussão ou a transparência necessária, caso da Reforma da Previdência, por exemplo, e sem abordar todos os aspectos envolvidos, como o endividamento, os grandes privilégios que há para algumas categorias e não estão sendo atacados nessas reformas”, condena.

Lacerda mencionou ainda a forma como as reformas estão sendo aprovadas no Congresso. “Diria que é uma forma pouco republicana, o toma-lá-dá-cá, aquela negociação de cargos e outros benefícios aí, inclusive ilícitos, que estão sendo apontados”, diz.