Os rohingyas assassinados, vítimas de limpeza étnica 

Pelo menos 87 mil pessoas, refugiados rohingyas em sua maioria, chegaram a Bangladesh desde o início da violência em Mianmar, em 25 de agosto – informou a ONU na segunda-feira (4); o estado de Rakain é palco de violência religiosa desde 2012. Segundo a Anistia Internacional, os rohingyas, minoria muçulmana descriminada, está sofrendo limpeza étnica com o objetivo de serem expulsos de Mianmar

Rohingya - Reuters

Pelo menos 87 mil pessoas, refugiados rohingyas em sua maioria, chegaram a Bangladesh desde o início da violência em Mianmar, em 25 de agosto – informou a ONU na segunda-feira (4).

Milhares de membros dessa minoria muçulmana em um país de maioria budista cruzaram a fronteira com Bangladesh desde que os confrontos começaram, amontoando-se em acampamentos de refugiados já sobrecarregados.

Cerca de 20 mil continuam na fronteira entre Bangladesh e o estado de Rakain, no oeste de Mianmar, à espera de poder cruzá-la, acrescentou a ONU.

Desses, mais de dois mil — entre eles várias crianças – que se escondiam em uma ilha de Bangladesh a alguns quilômetros da costa foram devolvidos a Mianmar.

A ONU afirmou também que a maioria dos recém-chegados se instalou nos já saturados acampamentos de refugiados rohingya dos arredores da cidade costeira de Cox's Bazar.

Vários estão desabrigados, em meio às fortes chuvas causadas pelas monções. A AFP constatou o surgimento de centenas de refúgios precários no entorno dos acampamentos.

Os refugiados de Cox's Bazar denunciaram que suas famílias foram massacradas, e os povoados, incendiados pelas forças de segurança e por grupos de budistas.

A violência explodiu após o ataque de 25 de agosto pela rebelião do Arakan Rohingya Salvation Army (ARSA) contra cerca de 30 delegacias de polícia.

Desde então, o Exército lançou uma grande operação nessa região pobre e remota do oeste de Mianmar. O governo acusa os ativistas, os quais descreve como "terroristas bengaleses", de incendiarem as casas dos rohingyas e de outras comunidades.

Desde 2012, o estado de Rakain é palco de violência religiosa. Muitos rohingyas foram assassinados, e milhares de pessoas – grande parte da minoria muçulmana – se viram obrigadas a fugir para acampamentos de refugiados.

A atual onda de violência é a mais grave já registrada. De acordo com as Forças Armadas de Mianmar, quase 400 pessoas morreram nos últimos dez dias. Destes, pelo menos 370 são militantes rohingyas.

Budistas do estado de Rakain e outros grupos tribais também estão entre mortos e deslocados, perseguidos – segundo as denúncias – por ativistas rohingyas. Mais de 400 mil rohingyas já se encontram em Bangladesh, um país de maioria muçulmana que já deixou claro que não quer acolher mais refugiados.

Limpeza étnica

A Anistia Internacional (AI) afirmou na quinta-feira (14) que as provas de que o Exército de Mianmar cometeu atos de limpeza étnica são irrefutáveis, após a fuga de quase 467 mil membros da minoria rohingya à vizinha Bangladesh.

Em comunicado, a ONG acusou as forças de segurança de serem responsáveis por mais de 80 incêndios em aldeias de rohingyas no estado de Rakhine, no oeste do país, identificados por satélite. Os militares também são acusados de disparar contra civis da minoria.

"Os dados são irrefutáveis: as forças de segurança de Mianmar estão ateando fogo no norte do estado de Rakhine em uma campanha com o objetivo de expulsar os rohingyas do país. É uma limpeza étnica", disse Tirana Hassan, diretora de Resposta de Crise da AI.

"Se observa aqui um padrão claro e sistemático de abusos. As forças de segurança cercam uma aldeia, disparam contra as pessoas que fogem em pânico e depois incendeiam as casas até os alicerces. Em termos legais, são crimes contra a humanidade: ataques sistemáticos e expulsão forçada de civis", completou a ONG.

Segundo testemunhas ouvidas pela AI em Bangladesh, os soldados de Mianmar dispararam contra aldeias da minoria em resposta a um ataque de militantes do Exército de Salvação Rohingya de Arakan (Arsa) contra vários postos policiais em Rakhine no fim de agosto.

"O Exército atacou às 11h. Começou a atirar contra casas e pessoas. O ataque durou uma hora. Quando terminou, vi meu amigo morto na estrada", relatou um rohingya sobre um incidente ocorrido em Maungdaw.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que as autoridades de Mianmar suspendam as ações militares contra os rohingyas e alertou que a violência gerou uma catástrofe humanitária. Perguntado se o que está ocorrendo no país é uma "limpeza étnica", Guterres avaliou que não há melhor forma de descrever a situação.

A líder birmanesa Aung San Suu Kyi, vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 1991, atribuiu as denúncias de limpeza étnica a uma campanha de desinformação e anunciou através de sua porta-voz, Zaw Htay, que não irá à Assembleia-Geral da ONU na próxima semana, em Nova York, que debaterá a situação dos rohingya em Mianmar.

O porta-voz, no entanto, disse que Suu Kyi fará um pronunciamento à nação na próxima terça-feira e também explicará a diplomatas e jornalistas o que está ocorrendo em Rakhine.

Segundo o porta-voz, a líder birmanesa não irá à Assembleia-Geral da ONU devido ao terrorismo do Arsa e dos conflitos "raciais e religiosos" no estado citado.

Povo Rohingya: uma minoria muçulmana discriminada há décadas

Os rohingya são um grupo étnico, maioritariamente muçulmano, que vive no estado de Rakhine em Mianmar, país em que 90% da população é budista. São mais de 1,1 milhão de rohingya vivndo neste estado. O estado de Rakhine é um dos mais pobres do país.

Desde 1982 que os rohingya não são reconhecidos como cidadãos pelo poder de Mianmar, que reconhece 135 etnias, sendo oficialmente considerados apátridas e tratados como “imigrantes ilegais”. Têm sofrido desde então dura repressão, acentuada no último período. Os rohigya tem acesso limitado a educação e saúde e possuem cotas limites de entrada em certas profissões e no serviço público do país.

Confira fotos da difícil caminhada dos refugiados rohingya para cruzar a fronteira com Bangladesh, com o objetivo de escapar da violência: 

A fuga dos refugiados rohingyas