Acabou a festa! (E faz tempo)

Nessa semana a notícia que mais deu o que falar foi a de que a SSP liberou a volta das faixas, instrumentos e bandeiras nos estádios no estado de São Paulo. Isso foi declarado após uma reunião entre FPF, SSP, Ministério Público, Polícias Civil e Militar e as diretorias de Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo, na última segunda-feira (24). Se todos estiverem de acordo, dia 1° deve ser consolidada a ação.

Por Guadalupe Carniel*

Festa torcida de futebol - Divulgação

Será elaborado uma espécie de termo de compromisso que deverá ser assinado pelas torcidas. Neste documento, as torcidas têm que se comprometer a não se envolver em brigas no trajeto ida e volta, nem dentro do estádio, não entrar em confronto com o poder público e não acender sinalizadores. A torcida que não cumprir será penalizada. Ah, torcida única em clássico continua valendo.

Nas redes sociais, bares e ruas muita gente apoiando e empolgado com a notícia. A mídia tinha uma novidade: “a festa voltou”, bradava um programa de um canal de esportes que já se colocou contra torcidas; já um programa policialesco, que viola leis de direitos humanos inclusive, manteve seu discurso com “guerra às torcidas”.

Mas calma, com o andor! Não é querendo colocar água no chope, mas não há o que se comemorar. É aquele lugar-comum que já se arrasta há anos no estado. Aparece um promotor dizendo que resolveria a violência nos estádios. Com isso, se promove e consegue uma cadeira na Alesp. A questão da violência? Ah, a cada caso de violência ir proibindo ao longo dos anos pouco a pouco tudo, já que é fácil culpar as torcidas. E claro, na política deles, violência se combate com violência. Ao invés de usar força física, fazer de forma estrutural e cultural. Um trabalho bem articulado ao ponto de fazer o povo acreditar que torcida é sinônimo de violência.

A imprensa está aí para ser a ponte entre a informação e a população. Assim deveria ser, não? O futebol é o ópio do povo e narcotráfico da mídia? Nunca a segunda parte dessa frase fez tanto sentido. Grande parte da imprensa “especializada” (não sei o quanto eles entendem de futebol, mas vejo que de pessoas é pouco; e no futebol é fundamental entender de pessoas, já que a graça dele é o ser humano, não é um esporte para a quebra de recordes, ele vai além, passa por uma catarse coletiva que há muito foi esquecida) naturaliza com seu cinismo um futebol privatizado, precarizado e demonizado, criando uma grande rede de narcotráfico de desinformação classicista que fala de estatísticas, rendas (não se fala mais em público) e empurram goela abaixo jogos de campeonatos que não interessam e mudam a vida do torcedor.

(Um parêntese gigante: É legal ver um Barcelona? Ok, pode até ser, gosto não se discute. Mas somos brasileiros. Não matamos um leão por dia. Comemos em rituais antropofágicos esses europeus. E inclusive o Barcelona se as entidades que “cuidam” do futebol brasileiro realmente o fizessem.)

Antes vendiam a ideia do espetáculo com o torcedor. Hoje em dia, após duras críticas, as emissoras nem mostram mais comerciais com torcidas. Ela está à margem, não faz parte.

E como ela faz para sobreviver no meio de tudo isso? Ninguém ou quase ninguém se importa. Tentaram acabar com as torcidas. Ledo engano. Torcida não acaba com um simples fechar de portas, é um sentimento. É o alento e não me refiro ao campo. É da vida. De gente que vê ali a válvula de escape para esquecer as amarguras e durezas da vida.

Mas voltando ao assunto: a violência e as brigas reduziram? Não. Elas seguem no lugar que sempre ocorreram, fora dos estádios (apesar de existirem casos de morte dentro de estádio o número é pequeno) por São Paulo. Mas sempre é mais fácil jogar a culpa nos outros do que assumir a responsabilidade. É aquela máxima: se não se comportar, vai ficar sem sobremesa.

A torcida que assina o termo de compromisso se responsabiliza; ela não pode se envolver em brigas, ela não pode acender sinalizadores (e aquela decisão de acender sinalizadores? Eles estão liberados ainda de punição desde que não atrapalhem a festa ainda?). E acima de tudo isso: não entrar em confronto com o poder público. Essa decisão com toda certeza não tem só a ver com agressões físicas ou verbais (que em geral, quem vai em estádio está mais do que cansado de saber que a polícia tem sua participação nisso); tem a ver com faixas, já que elas voltarão a ser como antes, passarão por avaliação do conteúdo. Uma faixa contra o Capez ou contra o aumento de ingressos não entrará pelos meios legais, obviamente.

Portanto, não venham falar “ah mas é o começo”. Só se for do fim. Porque eles querem ter pleno controle até sobre a tal festa. Eles só se esquecem de dois pontos: primeiro, parafraseando Los Cruzados “os instrumentos e bandeiras não geram a violência” e, segundo, esses itens são apenas artifícios. A tal festa não é nada sem os torcedores que são estão cada vez mais à margem, portanto, marginalizados.

E essa marginalidade passa por Federações, Confederações, Ministérios, Polícias, Mídia e afins. A exclusão e delinquência também.