"Putin Interviews": Oliver Stone desafia o excepcionalismo americano

Assistir a série de documentários de Oliver Stone sobre Vladimir Putin é obrigatório para o público ocidental para que ele tenha uma visão da visão de mundo do presidente da Rússia e para que veja mais além da brutal caricatura que se faz dele.

Por John Wright, do Russia Today

Oliver Stone e Putin

Certamente, essa visão é absolutamente necessária. A Rússia é o maior país da Europa, uma grande potência nuclear e são profundas as tensões decorrentes das diferenças geoestratégicas do país e da rivalidade com Washington nos últimos anos.

No entanto, para os comentaristas liberais ocidentais, a condenação, em vez da compreensão, é a ordem do dia, que está evidenciada na barreira criada pela crítica ao receber a série documental de Stone sobre o líder russo e no modo como ela foi recebida no mainstream ocidental.

A entrevista que o cineasta concedeu ao apresentador liberal de programas de entrevistas, Stephen Colbert, é um excelente exemplo. A linha de interrogação de Colbert equivale a uma regurgitação da própria caricatura de Putin que Stone demoliu nas mais de 20 horas de entrevistas com o primeiro mandatário russo sobre uma abundância de tópicos: a educação dele, a história familiar, a carreira, seus pensamentos sobre liderança, os desafios que a Rússia enfrentou durante os dias sombrios da década de 1990, as suas relações com vários presidentes dos EUA, a OTAN, e assim por diante.

No entanto, para os seguidores do Sr. Colbert é muito mais fácil seguir a narrativa oficial, contida na sua primeira pergunta da entrevista: "O que você diz às pessoas que comentam que o seu filme é uma entrevista aduladora de um ditador brutal?" Não só a indagação, mas também a maneira casual e desagradável com que ela foi feita confirmam as insinuações contidas nas informações, análises e comentários de notícias publicadas nos Estados Unidos ao longo de décadas.

O resultado é uma cultura tão intelectualmente superficial que se torna assustadora – nela, a ignorância é celebrada em vez de desprezada e o excepcionalismo nacional e a arrogância são exaltados em vez de rejeitados. E ai de qualquer um, como Oliver Stone, que se atreve a tentar penetrar nesta névoa de ignorância e crença no próprio excepcionalismo que reforçou os valores culturais dos EUA.

Ouvindo o público presente no estúdio de TV de Colbert, onde a entrevista foi feita, rir de Stone em resposta à sua afirmação de que Putin era injustamente tratado e abusado pela mídia norte-americana, eu fiquei preocupado com o tratamento concedido ao filósofo grego Sócrates. Tal comparação não é tão estranha como alguns podem pensar à primeira vista.

Pense nisto: por ousar questionar a ortodoxia prevalecente, verdades recebidas e idéias dominantes, o filósofo foi rejeitado, ridicularizado e, finalmente, condenado à morte pelos poderes de Atenas considerada na época como o lar da democracia e da liberdade; assim como Washington é – ou para ser mais preciso, como afirma que é – no nosso tempo.

Curiosamente, o clamor para condenar Sócrates ocorreu quando as tensões entre Atenas e seu rival e adversário grego da cidade-estado, Esparta, eram profundas – apenas alguns anos após o fim da Guerra do Peloponeso (431-404 AC).

Como todos sabem, em tempos de guerra – seja fria ou quente – a tolerância de uma nação pela dissidência, por ousar nadar contra a maré cultural, se evapora nos momentos em que a dissidência é mais necessária. Afinal, no caso das tensões crescentes que testemunhamos entre a Rússia e os EUA, recentemente, não são pessoas como Stephen Colbert que serão enviadas ao combate caso essas tensões resultem em conflitos militares diretos.

Com isso em mente, talvez tenha sido muito positivo o anfitrião do talk show ter ouvido atentamente um homem como Oliver Stone que sofreu na pele, no combate, e tem uma experiência de primeira mão com uma guerra devastadora desencadeada pela causa do excepcionalismo nacional anteriormente descrito.

Como cineasta, o panorama do trabalho de Oliver Stone, da década de 1980 para cá, é um testemunho de sua integridade tanto como artista como ser humano. Desde o filme Salvador, de 1986, um relato inabalável do apoio secreto dos EUA aos esquadrões da morte de direita em El Salvador, até o último filme, Snowden, de 2016, que conta a história de Edward Snowden, o homem que denunciou a inteligência dos EUA, o cineasta mostra uma paixão feroz pela verdade.

Como tal, é uma aposta justa o fato de que, nas gerações vindouras, suas obras ainda irão demandar respeito e análise séria.

Podemos dizer o mesmo sobre o trabalho de Stephen Colbert?

Fazer a pergunta é respondê-la.

Carthago delenda est: Cartago deve ser destruída. Estas palavras de Catão, o Velho, que ele, como estadista e orador romano teria repetido na conclusão de cada um de seus discursos, é o sentimento por trás da campanha de demonizarão contra Vladimir Putin; uma característica da vida cultural ocidental.

Este sentimento se tornou tão penetrante e obsessivo que você, num primeiro momento poderia até pensar que o líder russo é o responsável pela destruição de países inteiros registrados na sua biografia e impressos na sua consciência – ou seja, Afeganistão, Iugoslávia, Iraque e Líbia – e que é sua a política externa que mais matou pessoas e semeou o caos. Mais do que em qualquer momento, desde a Segunda Guerra Mundial.

Oliver Stone deve ser elogiado por tentar despertar a América para que ela assuma o dano que faz e que fez em todo o mundo ao longo de várias décadas.

Aqueles que o atacam e riem dele apenas confirmam a degeneração de uma cultura construída em bases não de sabedoria, mas de uma ignorância grosseira.

*John Wright escreve para jornais e sites como o The Independent, Morning Star, Huffington Post, Counterpunch, London Progressive Journal e Foreign Policy Journal. É comentarista na RT/Russia Today e na BBC Radio. Atualmente trabalha em um livro no qual analisa o papel do Ocidente na Primavera árabe. Você pode segui-lo no Twitter @ JohnWight