O que podemos esperar do filme “Real – O plano por trás da História”?

Infelizmente, quase nada. O diretor Rodrigo Bittencourt poderia ter optado por um período mais curto para aprofundar mais no tema ou nos personagens, mas acabou caindo na superficialidade. Como diz o ditado popular: choveu no molhado.

Por Vandré Fernandes*

Plano Real - filme - Foto: Divulgação

Entrando na seara de Paulo Emilio Salles Gomes, que dizia que “qualquer atividade humana comporta luta e polêmica, mesmo o comentário inocente de assuntos cinematográficos”, vamos aos pontos, sem spoiler.

Um tema, um ator e uma montagem

Primeiro, o tema é forte. Falar do Plano Real, que mudou a economia do país depois de desastrosas tentativas, como Plano Verão, Plano Cruzado e Plano Collor, e que segurou a exorbitante inflação daquele período, não é fácil. Muita coisa acaba sendo deixada de lado, como privatizações de setores estratégicos a preços “mui amigos”, a desnacionalização do parque produtivo, a valorização do mercado especulativo e do rentismo e assim por diante.

Também ficaram de lado as pressões externas. Parece que o plano foi uma vontade interna, alheio ao mundo. Porém, a saída adotada por Bittencourt segura bem o enredo. Como disse, se tivesse feito concentrado num período, como a transição Itamar/FHC, seria mais interessante.

Filme imparcial não existe, ele parte de um recorte, e o recorte é pelo olhar neoliberal do protagonista Gustavo Franco, interpretado por Emílio Orciollo Neto (um dos pontos altos do filme). Emílio navega bem no personagem que deixa de ser professor universitário para ser presidente do Banco Central. Vale ressaltar que o outro ponto positivo está na ágil montagem da obra. Mas os pontos positivos ficam por aqui.

Quando “Real” cai

Durante todo o filme, temos a sensação de que faltou uma direção de ator. As interpretações são amorfas. Aliás, parece que o diretor resolveu ridicularizar os personagens políticos e dar relevância nas interpretações do núcleo dos economistas.

É o caso do ótimo Norival Rizzo que está bem abaixo das suas interpretações. Ele faz FHC parecer um fantoche, sem esboçar nenhuma liderança.

O deputado federal “Golçalves”, interpretado pelo Juliano Cazarré, que representa o PT, é ridicularizado em todas as suas aparições. Ele parece um idiota jogado no meio dos espertalhões.

Isso também aparece com o presidente Itamar (Benvindo Siqueira), com o Serra, deve ter sido escolhido pela voz. Sim, o ator imita a voz do José Serra (isso tem um efeito para os brasileiros, mas no exterior vão ver apenas uma má interpretação. E não é culpa dele, essa culpa é de quem dirige o ator). E seguem nessa toada um senador da Bahia, o tucano Serjão, o ativista em frente o Banco Central, e assim por diante.

E esse desnível de interpretações dos políticos e economistas jogam o filme para baixo.

Alguns locais de conversa entre Pedro Malan (Tato Gabus Mendes) e Gustavo Franco, em Brasília, são no mínimo estranhos. Mas há outras cenas que também não teve uma preocupação mais rebuscada, beirando ao amadorismo, o que empobreceu visualmente o filme orçado em 8 milhões de reais.

Aliás, são nos diálogos que aparecem algumas pérolas. Elas forçam para colocar o filme no debate atual da sociedade. Tem uma citação desnecessária da CPI de 2003, falando do Juiz Sergio Moro e a equipe de Curitiba. Tem uma discussão do amigo do protagonista dizendo que: “Um dia o Lula será o melhor presidente deste país”. Em 1993? Uma espécie de “Mãe Diná”. É uma forçação de barra.

É um filme de direita?

Antes da estreia, o filme foi envolvido numa polêmica, acusado de ser "de direita". Uma bobagem. Como disse, ele conta a história através do neoliberal Gustavo Franco. Mas está longe de ser uma propaganda do PSDB, do Fernando Henrique, do Serra. Mesmo com frases desesperadas de Gustavo na CPI como “Um dia vamos voltar”. Minha sensação é que, se ele tentou fazer propaganda, errou feio. Você sai contaminado pela conjuntura achando que está tudo errado e não têm anjos nem demônios na história. Ou seja, é apenas um filme.

E, como disse Paulo Emilio Salles Gomes (ou pelo menos lhe foi imputado), “até o pior filme brasileiro nos diz mais que o melhor filme estrangeiro”. Real não é o pior filme e precisa ser visto, mas é uma pena que tenha ficado tão longe de ser o melhor.