Guadalupe Carniel: O torcedor do time europeu

Nessa semana o que mais foi alvo de discussão por aí foi uma matéria da imprensa nativa que dizia que a atual geração prefere torcer pelo Barça e Real Madrid, ao invés de aderirem aos times brasileiros. Como tudo anda bipolarizado e extremista, o mesmo aconteceu na briga futeboleira.

Por Guadalupe Carniel*

Brasileiros que torcem para o Bayern de Munique assistem partida em um bar de São Paulo

Eu sei que existe a eterna discussão futebol europeu x futebol latino. Não vou entrar nos méritos dos jogos. Só nos assuntos extra-campo e, ainda, de forma superficial, porque isso renderia no mínimo um livro.

Esse debate passa por duas questões. O primeiro: O que é ser torcedor? Para alguns é conhecer a história do time, inclusive aquelas obscuras, saber o hino, ter as camisas e saber todos os resultados. Ficar por horas vendo sites, lendo livros e revistas não te torna torcedor. No máximo conhecedor. Torcida tem a ver com sentimento, um tão grande que é um misto de tudo, você sente raiva, alegria, tristeza, euforia, tudo de uma vez. É um caos que vale a pena sentir. Ser torcedor é passar perrengue, não saber como vai pagar as contas do mês, mas saber que não pode ficar longe do seu amor, o seu clube, porque você sabe que a cancha afoga todas as mágoas e sapos que você engoliu da semana inteira. É você ir e cantar até o fim. Anos de estudo (e mesmo que você estude cantos de torcida) não trazem isso. É natural, é orgânico.

Outro ponto é: vocês que torcem pelo Barça, já se perguntaram o que os torcedores dele pensam de vocês? Há muito tempo atrás vi uma matéria que tratava disso. Os fanáticos do time (que existem, mas em número bem menor do que os que acompanham outros clubes europeus) reclamavam da frieza do clube na relação com os torcedores, tanto que os jogadores não tiram fotos com os fãs, nem dão autógrafos. Ídolos intocáveis de videogame.

Aliás, aqui cabe um parêntese gigantesco: ontem durante o jogo do Palmeiras x Atletico Tucuman, quando saiu o gol palmeirense do Mina, o narrador de uma emissora falou algo como “esse gol é tão bonito quanto um de videogame”. Hoje em dia carecemos de ídolos de outro planeta como Rivelino, Maradona, Hagi, Garrincha. Temos que nos contentar com medianos que se espelham em videogame. A graça era quando o game era baseado no que acontecia em campo. Um narrador que deveria ter referências de campo falando isso?

É nisso que os aspirantes ao jornalismo e os garotos que ainda tentam jogar bola (hoje em dia em society, porque a várzea tá cada vez mais diminuta) se espelham.

Quando a diretoria do Barcelona foi questionada, falou-se algo sobre "a criação de uma torcida pelo clube”. A torcida é a contribuição dos seus seguidores, só pode ser algo orgânico. Uma torcida criada por um clube não sofreria com críticas, pressões. É aquela famosa frase “pra inglês ver” o que encaixa bem com o futebol moderno criado no período Tatcher.

Outra coisa que incomoda é os que falam que existem os times europeus que temos que torcer por sua torcida, pela sua posição, como West Ham e St Pauli. Por amor a esses times não fale que você torce por eles. Eu torço pelo Juventus e sei como é chato, pra dizer o mínimo, aguentar os que vão lá pra comprar um canolli, fazer um selfie e um check in e ir embora (atesto e dou fé que isso acontece) ou que só vão nas boas épocas. Isso sem contar os que me adicionam em redes sociais com camisas do clube, mas que nunca nem deram as caras pela Javari… mas retornando ao problema do Barcelona. Longe de nos compararmos ao time catalão, mas de turismo entendemos.

Vou falar sobre o St Pauli. Um amigo me enviou a média de público e a taxa de ocupação dos estádios na Alemanha. Tudo bem que Hamburgo é uma cidade turística. Mas ter 100% de taxa de ocupação do Millerntor-Stadion é demais. O segundo colocado, o Stuttgart tem muito mais time que o primeiro colocado da lista e gira em no máximo 90%. A média antes de 2009/2010 era de 70%. Os próprios torcedores do clube reclamam que com o boom justamente nesse período das redes sociais, os turistas tomaram de assalto. Vemos aos montes camisas do time, todos falam que torcem “porque tem uma torcida legal”.

A relação de pertencimento com um clube vai bem além. Você tem que viver o dia-a-dia do clube. É ele quem define como vai ser o seu dia. Se vai ser bom ou não. Pasmem, mas uma derrota pode atrapalhar toda a semana de um torcedor. Assim como uma vitória pode nos salvar de fazer uma bobagem e nos faz aguentar toda sorte de coisas que atrapalham nossa vida. Pode não parecer, mas ser torcedor não é só o que a TV mostra.

Gastamos horas (e dinheiro) viajando, falando sobre, pintamos faixas, criamos músicas. Tudo por um amor. Em tempos que o amor (e o de clube também) se tornou líquido parece devaneio falar algo desse tipo, como se fosse num período romântico do futebol.

Claro, eu não digo que todos devam virar as costas para os times europeus. Longe disso. Você pode muito bem ver o que quiser. Mas ser torcedor é uma coisa. Ser admirador (e gostar ou não) é outra totalmente diferente.