RN: 80 anos depois, estado é governado por um comunista

Após oito décadas da experiência de um governo comunista, durante a Insurreição de 1935, o Rio Grande do Norte volta a ser administrado por um membro do Partido Comunista. Desde esta quarta (24) até o próximo domingo, o governador do Estado será Fábio Dantas (PCdoB).

80 anos depois, RN é novamente governado por um Comunista

A passagem do cargo aconteceu no início da tarde desta quarta-feira (24), no auditório do aeroporto internacional Aluízio Alves, em São Gonçalo do Amarante. Durante a solenidade, o governador Robinson Faria afirmou fazer a passagem do cargo com muita tranquilidade. “Eu viajo sossegado, porque tenho confiança no meu vice-governador. Nós sonhamos juntos em conquistar essa vitória e conseguimos. Temos uma sinergia, cumplicidade, sem desconfiança”, disse.

Após a cerimônia, o governador Fábio Dantas subiu a rampa da Governadoria acompanhado da sua esposa, a deputada estadual Cristiane Dantas (PCdoB). Cumprida as formalidades do ato de posse, o governador comunista recebeu o presidente estadual do PCdoB, Antenor Roberto, e o vereador de Natal, Cabo Jéoas (PCdoB).

O Movimento Comunista de 1935

Em março de 1935 foi criada no Brasil a Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização política cujo presidente de honra era o líder comunista Luís Carlos Prestes. Inspirada no modelo das frentes populares que surgiram na Europa para impedir o avanço do nazi-fascismo, a ANL defendia propostas nacionalistas e tinha como uma de suas bandeiras a luta pela reforma agrária. Embora liderada pelos comunistas, conseguiu congregar os mais diversos setores da sociedade e rapidamente tornou-se um movimento de massas. Muitos militares, católicos, socialistas e liberais, desiludidos com o rumo do processo político iniciado em 1930, quando Getúlio Vargas, pela força das armas, assumiu a presidência da República, aderiram ao movimento.

Com sedes espalhadas em diversas cidades do país e contando com a adesão de milhares de simpatizantes, em julho de 1935, apenas alguns meses após sua criação, a ANL foi posta na ilegalidade. Ainda que a dificuldade para mobilizar adeptos tenha aumentado, mesmo na ilegalidade a ANL continuou realizando comícios e divulgando boletins contra o governo. Em agosto, a organização intensificou os preparativos para um movimento armado com o objetivo de derrubar Vargas do poder e instalar um governo popular chefiado por Luís Carlos Prestes. Iniciado com levantes militares em várias regiões, o movimento deveria contar com o apoio do operariado, que desencadearia greves em todo o território nacional.

O primeiro levante militar foi deflagrado no dia 23 de novembro de 1935, na cidade de Natal. No dia seguinte, outra sublevação militar ocorreu em Recife. No dia 27, a revolta eclodiu no Rio de Janeiro.

Experiência em Natal

Na capital do Estado do Rio Grande do Norte, no dia 23 de novembro de 1935, o movimento comunista vivenciou pela primeira vez na história a experiência de governo, após o levante militar ocorrido no 21º Batalhão do Exército.

Foram quatro dias sob o governo revolucionário, batizado de Comitê Popular Revolucionário. O sapateiro José Praxedes foi nomeado secretário do Abastecimento; o diretor do presídio de Natal, Lauro Lago, secretário do Interior e Justiça; o funcionário do Liceu Ateneu, João Galvão, secretário da Viação; o sargento Quintino de Barros, secretário da Defesa; e o tesoureiro dos correios, José Macedo, secretário das Finanças.

O governo recém formado providenciou a formação de três colunas de combatentes. A expectativa era de que a revolução pudesse ser estendida ao restante do Estado. A primeira coluna deveria seguir em direção a Mossoró; a segunda, até a divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba; e a última, para a cidade de Goianinha. Os revolucionários conseguiram ocupar, ainda, 17 dos 41 municípios do Estado, e entregaram quando possível o poder a figuras locais ligadas a Aliança Nacional Libertadora (ANL).

Em um gesto memorável, exatos três dias passados da tomada do poder, publicou o único jornal daquele governo. A liberdade, título do periódico, explicava o programa revolucionário: amplas liberdades democráticas, reforma agrária, incentivo à industrialização, trabalho para todos, aumento dos salários dos trabalhadores rurais e urbanos, democratização do ensino e da cultura, nacionalização de bancos e empresas estrangeiras, expulsão dos “imperialistas e seus lacaios” do país e não pagamento da dívida externa.

No dia 27 de novembro, o movimento foi derrotado. Cerca de mil pessoas foram indiciadas nos processos que trataram do levante potiguar de 1935. Com base nesses autos, é possível desvendar a composição social da insurreição. Em Natal, 45% dos indiciados eram militares, especialmente soldados, cabos e sargentos, mas nenhum oficial do Exército; 27%, operários, sobretudo estivadores; 11%, profissionais liberais; 11%, trabalhadores urbanos de condição modesta, como alfaiates, padeiros, barbeiros, sapateiros e comerciários. No interior, 24% dos indiciados eram trabalhadores rurais; outros 24% eram profissionais liberais; 16% eram trabalhadores urbanos; e 15%, operários.
José Praxedes de Andrade, sapateiro de profissão, que veio do Rio de Janeiro, de navio, com instruções de esperar o sinal do levante, que seria dado por Prestes. Escapou das mãos da repressão e viveu 49 anos de clandestinidade sob o nome de Eduardo Pereira da Silva. Nem sua mulher tinha conhecimento da sua identidade.